Quando este Governo tomou posse, António Costa disse que, com a maioria absoluta dada ao PS, os portugueses tinham garantido a estabilidade até outubro de 2026 e que uma maioria absoluta não significaria poder absoluto, mas uma responsabilidade absoluta, uma vez que não existiriam álibis ou desculpas. Os socialistas teriam então a obrigação de aproveitar a estabilidade das extraordinárias condições políticas que os portugueses lhes conferiram para governar e reformar o país, mas têm confirmado semana após semana serem incapazes de fazer qualquer reforma, reféns de todo o tipo de clientelas e interesses instalados, apodrecidos por um partido hegemónico e tentacular, habituado a usar o Estado para o servir.
Em apenas oito meses, são já vários os casos de saídas e mudanças de pastas por desgaste, polémicas ou divergências e desautorizações internas: a da ministra da Saúde e de dois secretários de Estado com a saída de Marta Temido; a do secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, por ser arguido em dois processos; e agora a exoneração de mais dois secretários de Estado no Ministério da Economia, a troca de pastas entre secretarias de Estado das Finanças e ainda a passagem de António Mendonça Mendes para braço-direito de António Costa. Já não vale a pena referir a patética auto-humilhação de Pedro Nuno Santos para se manter no cargo, após uma tentativa atrapalhada de emancipação precoce.
Oito meses e a lista de reformulações vai longa. A tão prometida estabilidade que a maioria absoluta asseguraria revelou-se, afinal, um logro. E a culpa é de António Costa, sem álibis nem desculpas.
A recondução de Marta Temido foi um erro evidente sob qualquer ponto de vista de gestão. A degradação a que chegou o SNS é visível para todos e já o era há muito mais que oito meses. A cegueira ideológica de Marta Temido, permitida por António Costa, foi uma das grandes responsáveis pelo estado de caos no SNS que todos os dias os telejornais nos apresentam e, mesmo assim, António Costa optou pela sua manutenção no executivo.
Mas o primeiro-ministro consegue superar-se. Não arranjou melhor do que Miguel Alves para ocupar o cargo de seu secretário de Estado Adjunto, que, já quando foi chamado a exercer funções governamentais, era arguido em dois processos. Essa escolha põe em causa o próprio chefe do executivo, por ter considerado que a idoneidade e a confiança política numa pessoa com tal currículo não estavam beliscadas por processos relacionados com o exercício de um cargo público (na altura, Miguel Alves era presidente da Câmara de Caminha).
A estes erros de casting juntaram-se mais duas saídas inusitadas do Ministério da Economia e do Mar. Neste caso, a pedido do próprio António Costa e Silva, já que os seus secretários de Estado manifestaram publicamente uma divergência relativamente à redução do IRC, defendida pelo ministro. António Costa segurou o ministro e foram despachados os secretários de Estado, apesar de o próprio primeiro-ministro e o ministro das Finanças também o terem contrariado. É a lógica da doutrina socialista.
É fácil perceber que um Governo que não se consegue governar a si próprio não seja capaz de governar o país.
Como se tudo isto não bastasse, ainda houve mexidas em secretarias de Estado do Ministério das Finanças e a escolha de António Mendonça Mendes, que tinha a seu cargo os Assuntos Fiscais, para ocupar o lugar deixado vago por Miguel Alves.
A nomeação de António Mendonça Mendes tem contornos que revelam que a maioria absoluta significa mesmo poder absoluto para o primeiro-ministro. Afinal, António Costa vê com bons olhos que existam laços familiares entre membros do Governo, quando em 2019 garantiu que não iriam voltar a existir?
António Mendonça Mendes e a irmã, Ana Catarina Mendes, já coabitavam no Governo socialista, mas até aqui as suas funções não se cruzavam nem sobrepunham. A situação era duvidosa, mas passou a ser inaceitável. O secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro e a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares trabalham ambos em estreita articulação com António Costa e têm ambos assento no Conselho de Ministros. A consanguinidade criará, à partida, uma névoa sobre as decisões que venham a tomar e que impactam direta ou indiretamente todo o executivo.
O primeiro-ministro mostra-se perdido, desesperado e vazio de soluções, limitado ao seu círculo pessoal para preencher lugares, e não tem pejo em abdicar de princípios que tinha garantido ao país que não ia violar.
Com os serviços públicos em colapso, um brutal aumento do custo de vida, um boom nas prestações das casas, milhares de famílias e empresas todos os meses com a corda ao pescoço, temos um Governo que desperdiça as condições políticas de que goza em casos atrás de casos política, ética ou judicialmente inaceitáveis.
Estamos perante um Governo bloqueado, um Governo cansado, um Governo esgotado. Não há álibis ou desculpas que lhe valham, a responsabilidade absoluta é de António Costa. É um facto político surpreendente, mas está à nossa frente: esta é uma maioria absoluta em desespero.
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