Direitos humanos no Alentejo
A dignidade humana é, evidentemente, invariável e não pode, por força disso, estar ligada ao lugar de origem de cada um ou a qualquer outro factor
Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD
A dignidade humana é, evidentemente, invariável e não pode, por força disso, estar ligada ao lugar de origem de cada um ou a qualquer outro factor
A nossa Constituição tem um artigo – o 15.º - dedicado a estabelecer o regime jurídico dos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou que residam entre nós. E aí afirma um princípio geral de equiparação de direitos e deveres. Quer isso dizer que tais pessoas gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres dos cidadãos portugueses – sejam eles os direitos pessoais, os direitos dos trabalhadores ou os direitos económicos, sociais e culturais.
Há, é certo, excepções, como os direitos políticos, o exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico ou os direitos e deveres que a própria Constituição ou a lei reservem exclusivamente aos Portugueses, como sucede, por exemplo, com o serviço nas forças armadas ou na carreira diplomática. Em tudo o mais, porém, nenhuma discriminação é aceitável.
E é absolutamente acertado que assim seja, porque o que deve relevar nesta matéria é o princípio da dignidade da pessoa humana (que a lei fundamental consagra logo no primeiro normativo). Uma dignidade que é, evidentemente, invariável e que não pode, por força disso, estar ligada ao lugar de origem de cada um ou a qualquer outro factor.
Infelizmente, como tantas vezes acontece, entre o que o direito proclama, e aquilo que a realidade concreta evidencia, vai uma enorme distância. E, por estes dias, os factos comprovam-no uma vez mais.
Uma operação policial no Alentejo terá desmontado uma rede de tráfico de trabalhadores imigrantes. Eram-lhes prometidas condições de retribuição e de habitação que lhes permitiriam ultrapassar a pobreza em que viviam nos seus países de origem. E com que é que se depararam? Com salários de miséria, com alojamento em contentores sobrelotados, com tempos de trabalho próximos da escravidão, com ameaças de violência.
Só que, ao mesmo tempo que devemos saudar este sucesso, importa também elencar algumas perplexidades.
Em Maio do ano passado, o País indignou-se quando foram conhecidas as condições a que estavam sujeitos os trabalhadores estrangeiros em Odemira. O Governo prometeu que iria intervir para melhorar as suas condições de vida, nomeadamente em matéria de habitação. Ao que parece, as coisas estão, na melhor das hipóteses, na mesma. E também anunciou a sua determinação em aumentar a vigilância das instituições públicas competentes, de modo a evitar a repetição dessas situações. Todo este tempo passado, o
que agora foi detectado em várias regiões do Baixo Alentejo é ainda pior do que aquilo que se passava em Odemira.
Mas, se então ainda se podia alegar (embora mal) desconhecimento, agora que desculpa esfarrapada se pode invocar? Obviamente, nenhuma. E pergunta-se: como é possível que isto continue a acontecer? Como é possível que, com tanta entidade inspectiva, em áreas como o combate à imigração ilegal ou a fiscalização de condições de trabalho, milhares de imigrantes continuem a viver e a trabalhar em condições sub-humanas? E como é possível que, sem que nada lhes suceda, empresários continuem a pactuar com este estado de coisas, beneficiando economicamente com a sua exploração?
Para além dos aspectos relacionados com o respeito pelos direitos humanos, que são, evidentemente, os mais importantes, há uma outra dimensão da questão da imigração que tem de ser sublinhada.
De acordo com os números do recenseamento relativos a 2021, Portugal perdeu 2,1% da população. Desde 1864 (!), é, apenas, a segunda vez que tal sucedeu – a outra sendo nas décadas de 60 e 70 do século passado, fruto da emigração massiva que então ocorreu.
A inversão desta situação dramática é urgente. E tem de fazer-se em duas vias paralelas.
Por um lado, através de políticas que combatam o “inverno demográfico”, agindo determinadamente em domínios como o laboral, o fiscal e outros – algo que, em Portugal, não tem, nem de longe, nem de perto, assumido a dimensão estratégica que era indispensável.
Por outro lado, através do acolhimento e integração harmoniosa dos imigrantes, cujo contributo é essencial para o desenvolvimento económico do País ou para a sustentabilidade da segurança social. Ora, muitos sinais que a este nível são dados vão, precisamente, no sentido inverso daquilo que seria necessário.
A este propósito, uma pequena sugestão: já que está em curso uma revisão constitucional, não poderia aproveitar-se a oportunidade para incluir, entre as incumbências prioritárias do Estado, precisamente, a promoção daquela integração harmoniosa?
Nos dias que antecederam o início do Mundial de Futebol, muito se discutiu o problema do desrespeito pelos direitos humanos no Qatar. E bem, porque esta tem de ser uma questão central em todos os momentos e situações. E porque o argumento de que não se deve misturar o tema com o desporto não faz, obviamente, qualquer sentido. Embora não deixe de notar que o mesmo empenho crítico se não verificou por ocasião da realização dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 e do Mundial de 2018 na Rússia ou dos Jogos Olímpicos de 2008 e dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 na China, países cujos registo negativo na matéria é bem conhecido.
Mas, a continuada complacência perante a situação dos direitos humanos dos imigrantes entre nós não nos retira, ainda assim, alguma autoridade moral para criticar os outros?
José Matos Correia escreve de acordo com a antiga ortografia
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