Saúde, mas só para ricos
Uma larga fatia da população paga duas vezes pela sua saúde. Paga através dos respetivos impostos e paga quando recorre a prestadores privados ou sociais. Mas e os que não têm dinheiro para o fazer?
Chefe de Gabinete e membro do Conselho Nacional da IL
Uma larga fatia da população paga duas vezes pela sua saúde. Paga através dos respetivos impostos e paga quando recorre a prestadores privados ou sociais. Mas e os que não têm dinheiro para o fazer?
Tempos de espera nas urgências de 14 horas, 400 médicos rescindiram com o Estado só nos últimos seis meses e mais de três milhões de portugueses têm seguro de saúde, aos quais se juntam mais de um milhão que beneficiam da ADSE – é este o estado da saúde em Portugal.
Por mais culpas que se tente atribuir à pandemia, muito antes dela já o Serviço Nacional de Saúde (SNS) estava extremamente debilitado, pois há problemas estruturais para os quais o Estado não tem uma resposta, pela sua macroestrutura, excesso de burocracia e processos complexos e morosos que impossibilitam respostas ágeis e eficazes.
Batem-se recordes de afetação de verbas do Orçamento do Estado para a saúde, mas os problemas subsistem. A gestão é pouco eficiente, os recursos humanos são insuficientes e os profissionais de saúde são mal remunerados, trabalhando horas a mais, com risco para os próprios e para os utentes, sendo, por isso, cada vez mais dificil reter estes profissionais no setor público.
E há culpados pela completa degradação em que se encontra atualmente o SNS: o Governo socialista e os partidos da esquerda, que insistem em colocar à frente do interesse das pessoas a sua obsessão ideológica contra os privados.
Fizeram-no quando tomaram a decisão ruinosa de acabar com as Parcerias Público-Privadas (PPP), mesmo quando todos os dados mostravam as vantagens que estas representam, nomeadamente uma gestão mais eficiente, maior satisfação dos utentes e poupanças efetivas para o Estado.
Continuam a fazê-lo ao chumbar propostas na Assembleia da República, como a implementação das USF-C, unidades de saúde de cuidados primários com autonomia para celebrarem contratos-programa com equipas do setor público ou do setor privado, cooperativo ou social.
Em ambos os casos, estamos perante decisões baseadas no ódio visceral aos privados e na insistência bacoca de que o Estado deve prestar o serviço em vez de ser o seu financiador. Por isso, ao invés de ser alargada a rede de prestação serviços clínicos, o que iria contribuir decisivamente para garantir que são prestados em tempo útil - particularmente quando o Estado não os consegue assegurar -, restringe-se a oferta e diminui-se essa rede, pondo em causa algo tão vital como a saúde dos portugueses.
Verifica-se, então, uma tremenda disfuncionalidade na saúde em Portugal. Há um SNS que não dá resposta às necessidades, que é pago com o dinheiro dos contribuintes e cujas ineficiências impedem um efetivo acesso à saude por parte da população. Ou seja, a universalidade, um dos princípios sob o qual foi construído o SNS, está longe de ser garantida. Basta olharmos para as monumentais listas de espera ou para os sucessivos encerramentos de urgências para o constatarmos. É inconcebível, característico de estados falhados.
Por isso, o que acontece é que uma larga fatia da população paga duas vezes pela sua saúde. Paga através dos respetivos impostos e paga quando recorre a prestadores privados ou sociais. Mas e os que não têm dinheiro para o fazer? E aqueles que não podem ter um seguro de saúde ou procurar alternativas ao SNS? Infelizmente, esses ficam entregues à sua sorte, na angústia das listas de espera, na exasperação da incerteza de que consigam ser atendidos em tempo útil.
Em simultâneo, os funcionários do Estado beneficiam de um subsistema de saúde exclusivo, a ADSE, em que podem ser atendidos no privado. Sim, desse mesmo Estado que, por decisões do Governo que o administra, impede os restantes portugueses de terem a mesma possibilidade. Isto só tem um nome: hipocrisia. Um país, dois sistemas.
E mesmo quando chegamos a situações-limite, como a que enfrentamos atualmente, em que o SNS não dá resposta atempada à maioria das solicitações, o Governo do PS, com o aconchego permanente da esquerda radical, persiste no erro. Bem podem vender a ideia de que os mais desfavorecidos são aqueles que visam proteger, mas são justamente esses os mais castigados pela sua cruzada ideológica. É a esses, aos mais dependentes, aos que não têm outras soluções, aos mais vulneráveis, que este SNS está a falhar.
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