E as sondagens enganaram-se de novo...
Em termos objetivos, Biden e Trump saem semiderrotados. Com uma diferença, óbvia e muitíssimo relevante: Biden vem de um desastre anunciado e Trump de um triunfo mil vezes proclamado (a começar pelo próprio…)
Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD
Em termos objetivos, Biden e Trump saem semiderrotados. Com uma diferença, óbvia e muitíssimo relevante: Biden vem de um desastre anunciado e Trump de um triunfo mil vezes proclamado (a começar pelo próprio…)
O destino das “midterm elections” norte-americanas (dessa forma designadas por ocorrerem a meio do mandato presidencial) estava traçado. Ou, pelo menos, assim o diziam as sondagens.
A fraca taxa de aprovação do Presidente Biden, o tímido desempenho da economia, a previsão de uma possível recessão para 2023 e o crescimento significativo da inflação, iriam inexoravelmente conduzir a uma onda vermelha (sendo que, ali, vermelha é a cor do Partido Republicano…). E nem a hábil exploração política, pelo Partido Democrata, da agitação causada pela decisão do Supremo Tribunal Federal, em Junho passado, ao reverter a célebre decisão Roe vs Wade em matéria de interrupção voluntária da gravidez, parecia capaz de modificar essa tendência.
Uma vez mais, contudo, os estudos de opinião ficaram mal na fotografia. Com efeito, embora os resultados finais ainda não sejam conhecidos no momento em que escrevo estas linhas, afinal, nem onda, nem ondinha. Porque é já garantido que os democratas manterão o controlo do Senado, ao terem conquistado cinquenta dos cem lugares e beneficiarem do voto de qualidade do respectivo presidente (que é, por imposição constitucional, o Vice-Presidente dos Estados Unidos). E é possível, até, que aumentem a sua representação, se vencerem a segunda volta na Geórgia, que terá lugar em 6 de Dezembro.
Acresce, a isto, o claro sucesso nas eleições para governadores dos Estados, em que, dos trinta e seis lugares em disputa, os Democratas conseguiram conquistar três aos Republicanos, tendo o inverso sucedido em apenas um caso. Facto nada despiciendo: é a primeira vez, desde 1986, que o partido do Presidente consegue obter ganhos neste plano em “midterm elections”.
Nem tudo são rosas para os Democratas, porém. A perda do controlo da Câmara dos Representantes é praticamente certa, embora por uma margem que se apresenta bastante curta. Consequência imediata: os Republicanos passarão a deter a terceira figura na hierarquia do Estado, afastando de funções Nancy Pelosi.
Tudo visto, em termos objectivos Biden e Trump saem semi-derrotados. Com uma diferença, óbvia e muitíssimo relevante: Biden vem de um desastre anunciado e Trump de um triunfo mil vezes proclamado (a começar pelo próprio…).
A semi-derrota de Biden tem que ver, fundamentalmente, com a referida composição da Câmara dos Representantes, que é apta a criar condições para dificultar a sua agenda política.
Os Estados Unidos são caracterizados, no que toca à aprovação de leis, por um bicameralismo perfeito. Quer isto dizer que tanto a aprovação do Senado, quanto a da Câmara dos Representantes, é indispensável para esse efeito. E não é crível, dado o extremar de posições entre os dois partidos, que Biden consiga obter apoio para as suas propostas entre os Republicanos moderados.
Aliás, a situação criada pode gerar, inclusive, um impasse de incalculáveis consequências, nomeadamente no plano orçamental. E não é certo, precisamente pelos contornos da actual situação política, que aquilo que ficou conhecido por “parlamentarismo de corredor” e que, no passado, tantas vezes permitiu aproximar posições, tenha condições para se concretizar, gerando os consensos indispensáveis.
Por seu lado, a semiderrota de Trump afigura-se, até, mais evidente, revelando um progressivo cansaço da retórica populista do MAGA (Make America Great Again) e da insistência no discurso negacionista quanto às eleições de 2020.
A sua influência sobre o Partido Republicano permanece, inquestionavelmente, muito forte. E tanto assim é, que a generalidade dos candidatos que o acompanham nessa postura radical conseguiram a reeleição. Mas não é menos verdade que muitos dos extremistas que endossou (quando não impôs) não tiveram sucesso, porque afastaram o eleitorado moderado. Não fora isso e Biden poderia agora estar em muito mais lençóis.
Fruto de tudo isto, já se fazem sentir críticas internas, a um nível há muito desconhecido, apontando para a necessidade de o Partido Republicano “olhar em frente” e esquecer Trump e o passado em que insiste em viver. E por “olhar em frente” quer-se dizer escolher outro candidato para as eleições presidenciais.
Tenho por garantido que o ego gigantesco de Trump não lhe permitirá olhar para a realidade com sentido crítico e abrir caminho a outros. Mas, a marcha triunfal para a nomeação como candidato dos Republicanos em 2024 parece agora menos garantida, começando a antever-se a possibilidade de ter de enfrentar ter fortes contendores, com destaque para o relegitimado Governador da Florida, Ron DeSantis. Que, precisamente pelo risco que representa, Trump já começou a insultar publicamente…
Ao fim e ao cabo, estas eleições dão-nos, em simultâneo, motivos de preocupação e motivos de optimismo.
De preocupação, porque é difícil compreender como é que dezenas e dezenas de milhões de votantes continuam a rever-se num discurso sectário e retrógrado, em candidatos que rejeitam reconhecer a legitimidade de um Presidente livre e transparentemente eleito, num líder que incentivou (senão mesmo organizou) um dos momentos mais tristes e dramáticos da história norte-americana: a invasão do Capitólio, em 6 de Janeiro de 2021.
De otimismo, porque, afinal, para muitos outros (creio que a maioria), a defesa de princípios, de valores, de direitos fundamentais e da democracia, conta mesmo na determinação do sentido do voto. Mais até do que as consequências negativas da situação económica que se fazem sentir no seu dia a dia.
Tenho esperança que estas “midterm elections” possam, por isso, representar o início da inversão da degradação que Trump trouxe. E que abram caminho para que, tão cedo quanto possível, os Estados Unidos voltem a ser o exemplo lapidar de democracia que, por tantos anos, foram.
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