Não paro de me surpreender que os mesmos jornalistas que consideram um dever deontológico criticar o radicalismo de extrema-direita, e que aplicam a regra de silenciar ou dar pouco relevo às suas manifestações, apliquem uma atitude oposta a este extremismo [de esquerda] que – na realidade prática – acaba por ser sociologicamente muito mais nefasto
A radicalização – à Esquerda e à Direita – é um veneno que corrói o regime democrático.
Tem havido – e bem – uma recusa de dar palco e ampliar o extremismo de Direita. Mas o mesmo não se passa com o de Esquerda. E na prática – e também por essa tolerância – este pode ser bem mais perigoso.
No fundo, como hoje refere João Miguel Tavares, do que se trata é de “parasitas revolucionários”, que se instalam como podem e onde podem.
OS EXTREMISTAS PREJUDICAM A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA
Vejam a capa do Público de Domingo.Umas poucas centenas de militantes anarquistas e de extrema-esquerda, dos quais umas dezenas invadiram a sede da Ordem dos Contabilistas, e aos quais se refere a (bonita e expressiva) foto, estão a conseguir muito protagonismo.
O tema que invocam é a luta contra o aquecimento global. Quem pode discordar disso?
Mas os extremistas que encheram os jornais televisivos e as capas dos jornais, sem que eu tivesse visto uma análise crítica ou uma pergunta pertinente (com exceção de Nelma Serpa Pinto, na SIC, a que voltarei) são os piores amigos que esta essencial causa pode ter.
Sobretudo por três razões:
Em primeiro lugar, pela falta de rigor do que dizem, como seja que o mundo vai acabar se até 2030 a energia fóssil não desaparecer completamente, e pela recusa das alternativas sem as quais será impossível fazer a transição energética;
Depois, pelo total extremismo que só provoca reações adversas (a tese de que os capitalistas e os ricos querem a destruição do Mundo e que acabar com o capitalismo produz o fim da pegada do carbono), como noutro plano as eleições americanas demonstraram;
Finalmente, pela recusa dos direitos dos outros, designadamente os queiram estudar e aprender nas escolas e universidades ocupadas.
Não paro de me surpreender que os mesmos jornalistas que consideram um dever deontológico criticar o radicalismo de extrema-direita, e que aplicam a regra de silenciar ou dar pouco relevo às suas manifestações, apliquem uma atitude oposta a este extremismo que – na realidade prática – acaba por ser sociologicamente muito mais nefasto.
Em minha opinião, o pior que pode acontecer ao combate contra o aquecimento global é que seja captado por extremistas.
Não é verdade que estes extremistas apenas antecipem o que outros mais moderados virão a defender mais tarde e, por isso, são agentes de mudança.
Não é assim: o palco favorável e sem criticismo que recebem está a distorcer toda a lógica da batalha essencial que temos de enfrentar e a criar hábitos extremistas que se propagam depois para outras áreas.
O que estes extremistas propõem é uma utopia irrealizável – a tal passagem de Belém para Porto Brandão a salto sobre o Tejo, de que falei na passada semana – em vez de se mobilizarem para soluções viáveis:
Não é possível acabar com o carvão e a energia fóssil no Mundo em 2030 e infelizmente nem sequer nos próximos 20 anos (a China é agora o país que mais investe em renováveis, mas aumentou 10% a produção de carvão e a EU – que está na vanguarda - compromete-se a 57% apenas), pelo que exigir isso é um convite à inércia;
Lutar pela redução das emissões vai custar em cada ano mais de um trilião de USD (o equivalente ao PIB anual da Espanha, o 14º país mais rico) e só para perdas e danos a entregar a Africa em cada ano o valor equivale ao PIB português;
Por isso a luta contra o aquecimento global vem com um custo brutal para a EU, EUA, Canadá, Austrália e outros países mais ricos, pelo que a demagogia é altamente perigosa, pelas razões negacionistas que provoca;
Os países que menos esforços fazem nesta batalha essencial não são europeus, não são economias liberais, não são países onde este tipo de manifestação seja possível;
Não é verdade que o capitalismo tenha de acabar para haver transição energética: A economia capitalista é orientada para os consumidores e as grandes empresas têm direta ou indiretamente milhões de acionistas preocupados com o clima;
Os desenvolvimentos tecnológicos que permitem acelerar a transição energética – como os que permitiram vacinas eficazes contra a COVID – são o resultado da liberdade económica, da concorrência, da energia criativa de milhares de pessoas que em laboratórios privados estão a trabalhar.
Se pudesse haver dúvidas do caráter pernicioso destes extremistas, vejam alguns exemplos que retirei de notícias:
Quando confrontado por Nelma Serpa Pinto, aqui na SIC, o jovem líder com meio rabo de cavalo, disse que não é problema estar a não ter aulas, porque sem a luta deles daqui a 7 anos não haverá Mundo em que se possa viver;
No mesmo sentido outra extremista, Alice Gato, afirmou há dias: “Porquê estarmos a ter aulas por um futuro que não vai existir se estas reivindicações não estão a ser ouvidas?”. E uma faixa na Escola António Arroio, qual grito na parede, dizia “direito à educação ou direto à vida?”.
E o Diretor dessa Escola, apesar de dizer que os ocupantes, faltaram ao “compromisso de honra” assumido com ele de que não passavam a “linha vermelha” de não "afetar a liberdade dos outros", sempre foi dizendo que os media são responsáveis pois só assim eles se fazem ouvir.
Por isso gostaria de ver dos partidos moderados, dos defensores moderados do ambiente, dos especialistas, o desmentido deste catastrofismo, a recusa deste extremismo, a coragem de afirmarem que não têm nem querem ter nada a ver com eles, com o que afirmam e com a forma como o fazem.
E não gostaria de ver o Ministro da Economia com medo e a dizer – sabendo que está a mentir – “vejo com muitos bons olhos estes movimentos e sou solidário com as preocupações que eles manifestam. Penso que são absolutamente positivos”.
O PARASITA TRUMP
O que se passou com as eleições norte-americanas foi, do meu ponto de vista, o melhor para os EUA e para o Mundo.
Num país tão extenso e tão diverso, as especificidades de cada Estado e até as realidades dos candidatos também num plano mais local, muitos fatores, jogaram nos dois sentidos, seja a favor de candidatos democratas, seja de republicanos.
Mas há duas explicações globais para o que aconteceu e ambas têm a ver com radicalismo e extremismo e as suas consequências perversas:
Acima de tudo, a culpa do “loser” Trump, que colonizou o Partido Republicano e que favoreceu candidatos que insistem em dizer que há 2 anos Trump ganhou as eleições, e com isso e com a sua linguagem malcriada e o seu egocentrismo doentio, fez que o referendo que costumam ser as midterm elections fosse sobre Trump e não sobre Biden, afastando independentes e moderados;
Depois o extremismo antiaborto (que chegou ao ponto de querer impor a sua proibição em todas as circunstâncias e prazos) que mobilizou menos como tema, mas que fez a diferença em algumas eleições que se decidiram por um punhado de votos.
O resultado final foi excelente, sobretudo pelas seguintes razões:
Talvez provoque um sobressalto no Partido Republicano que derrote a anunciada intenção de que Trump volte a ser o candidato presidencial em 2024;
Sem dúvida que evita que a administração federal fique paralisada em tempos que, a nível doméstico e internacional, isso podia ser altamente nefasto;
Assegura que a linha estratégica de apoio à Ucrânia se vai manter, o que não seria totalmente seguro se o Senado passasse a ser controlado pelos republicanos, no âmbito de uma vitória que reforçaria o poder de Trump.
Infelizmente, não acredito que Trump já esteja derrotado como candidato e por isso acredito que os republicanos voltarão a perder em 2024 e, então sim, com grande probabilidade será o fim do consulado dessa horrível personalidade política (veja-se, como o mais recente exemplo, as ameaças contra De Santis, o grande vencedor da Florida e provável rival nas primárias).
E mesmo então, não vai ser fácil “destrumpizar”, como não foi fácil aos democratas isolar o radicalismo dos tempos da guerra do Vietname.
Esse extremismo – convém lembrar – foi o que deu a Nixon em 1972 a segunda maiorvitória eleitoral de sempre nas presidenciais, bem patente no mapa em que o democrata McGovern só ganhou em Massachussets e no Distrito Federal:
Com o intervalo de um mandato de Jimmy Carter, os republicanos elegeram depois Reagan que, contra Mondale, foi reeleito em 1984 com um resultado melhor em mandatos do que Nixon, como revela o mapa que estão a ver.
Ou seja, de 1969 a 1993 os Republicanos dominaram e só com um Centrista como Clinton a mudança pôde ocorrer.
Estamos agora com a probabilidade de entre 2009 e 2029 seja tempo de democratas, desde que eles também não caiam no extremismo.
Ou seja, o extremismo não compensa.
O ELOGIO
A Ricardo Araújo Pereira, uma espécie de prémio de carreira e pelo programa de domingo.
É o melhor humorista português, seguramente o mais profissional e o mais eficaz. O que revelou dos tristemente famosos Miguel Alves e Ricardo Moutinho devia ser divulgado nas escolas para que se perceba ao que estamos entregues.
LER É O MELHOR REMÉDIO
No Público de domingo, Natália Faria assinou um ensaio com o título “100 anos depois somos menos e (muito) mais velhos” sobre a evolução demográfica de Portugal.
Somos hoje já um dos 10 países mais envelhecidos do Mundo e, segundo a jornalista, “em 2080, estaremos reduzidos a 8,2 milhões de residentes, segundo o INE, apontando para essa altura a existência de 300 idosos por cada 100 jovens, com a população activa (entre os 15 e os 64 anos) reduzida a 4,2 milhões. Se seguirmos as projecções das Nações Unidas até 2100, seremos ainda mais pequenos: 6,9 milhões”.
Eu sei que é deprimente olhar para o que espera a geração dos meus bisnetos. Mas é essencial perceber onde chegaremos se continuarmos a caminhar como vamos.
A PERGUNTA SEM RESPOSTA
Estamos a assistir à confrontação entre três linhas na IL: segundo me parece,
os que querem posicionar-se ao centro, como é regra na Europa com toda a paleta de declinação do liberalismo;
os que são mais “clássicos”, ou seja, favorecendo o liberalismo político e económico ainda que conservadores no plano social e dos costumes, e
os que discordam de linha vermelha com o CHEGA.
É bom que, num processo de maturidade, o pluralismo interno se reforce. Mas não está a ser tão claro quanto se justificaria. Será que alguém pode explicar?
A LOUCURA MANSA
Os media dos EUA referem que uma das causas da vitória do Partido Democrata foi o apoio que o partido de Biden deu a candidatos mais radicais apoiados por Trump nas primárias (nalguns casos receberam mais apoio do que o próprio candidato democrata que se lhe ia opor).
A luta política não pode ser feita assim. Apoiar os radicais do lado oposto é muito perigoso para o sistema democrático-liberal, até porque é tão censurável eticamente que corrói a sustentabilidade do sistema.
Não pode valer tudo menos tirar olhos na luta política.
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