Na última semana assistimos ao fecho, ou ameaças de fecho, de escolas secundárias e superiores, sobretudo em Lisboa. O caso com maior cobertura mediática foi o da Escola António Arroio. Motivos? O mais emblemático é o combate às alterações climáticas e o fim da utilização de combustíveis fósseis até 2030, mas o fim das propinas, o fim do assédio, a demissão de Costa e Silva e casas de banho sem discriminação de sexo também estão, entre outras reivindicações, em cima da mesa de "negociações". Os manifestantes? Os jovens alunos, juntos, pelo Planeta e pelo futuro.
Fui ver. À pergunta de uma jornalista, se com esta forma de manifestação não comprometem a sua própria formação e a dos colegas, uma jovem à beira das lágrimas respondeu: "de que nos serve a formação, se não temos futuro?". Noutro momento, questionada outra aluna, sobre se esta iniciativa em tempo de avaliações não prejudica os alunos, a jovem afinou pelo mesmo diapasão: "o que é que isso nos interessa, se não vamos ter futuro?"
O movimento não é de génese lusa, um pouco por toda a Europa há manifestações semelhantes. E não há surpresas: em nome de um transcendente e planetário desígnio, a visão dos manifestantes impõe-se aos direitos dos outros. Quais direitos? Por cá, desde logo, um constitucionalmente definido, no n.º1 do art.º 43.º: "é garantida a liberdade de aprender e ensinar." Mas, pergunto eu embalado pelo choro das crianças: de que vale a constituição se não temos país?
Dizia que não havia surpresas: se certas elites e muitas autoridades - por acção ou omissão - propalam visões apocalípticas do futuro, é certo e sabido que isso gerará ansiedade e a emoção na turba. E, por maioria de razão, junto dos jovens, para quem o tempo conta mais.
Olho com piedade e indulgência para estes jovens aterrorizados. Mas não suporto os oportunistas do costume, que prontamente apareceram a capitalizar politicamente o disparate. Já agora, onde é que andam os pais destas crianças?
Por esta altura, o estimado leitor pergunta: e que autoridades são essas que propalam esses cenários apocalípticos? Ah! Boa pergunta. Suponhamos que um Secretário-Geral das Nações Unidas dizia que “estamos numa autoestrada para o inferno climático com o pé no acelerador”; ou ainda que “a humanidade tem uma escolha: cooperar ou morrer”; e que acrescentava que “estamos na luta das nossas vidas. E estamos a perder."; e ainda que corremos o risco de caminhar para um "Pacto Coletivo de Suicídio”. Loucura? Nem tanto. Isto foi o que disse o Engenheiro Guterres; um homem com grande experiência em matéria de pântanos insalubres.
Coisas importantes a reter para memória futura, quando o que começou com fechos "pacíficos" de escolas já escalou, en marche, para invasões de edifícios privados e confrontos com as autoridades: com as suas palavras, o Engenheiro Guterres passou a ser co-autor moral de tudo o que, no rescaldo deste movimento, venha a ocorrer.
Mas o que é que o homem disse de errado?, perguntam-me aqui ao lado. Nada e tudo. Respeito e associo-me às preocupações, mas o tom. Nós lembramo-nos que a paixão do engenheiro sempre foi a educação. Mas talvez mais razão e menos paixão tivesse sido melhor caminho. Então, como agora. Foquemo-nos: se é preciso pôr acções onde se põem as palavras, como diriam, e bem, os manifestantes e os seus apoiantes, eu acrescento que é preciso pôr sentido de responsabilidade onde se põem as palavras.
É fundamental pôr travão na demência, mas quero esclarecer: a alternativa não é o negacionismo, é a ciência e a tecnologia. Em síntese: o conhecimento. Politicamente, é o conservadorismo, mas isso é outra conversa, quiçá para outra ocasião.
Ora, se a alternativa à histeria dos activistas e à ignorância dos negacionistas é o conhecimento, fechar escolas é o mesmo que nos fecharmos numa quinta em Waco e seguir um Koresh qualquer (os mais novos podem ir ao Google que eu espero).
O caso é sério e o desafio é gigantesco, complexo e urgente, mas soluções para a transição energética, para a descarbonização, para a produção industrial com impacte ambiental reduzido, para a mobilidade e para o planeamento urbano sustentáveis, reflorestação e manutenção da floresta, soluções para o uso racional das águas, mitigação do efeito da obsolescência dos bens de consumo e, noutro domínio, forte diplomacia, só se conseguem com escolas abertas, com universidades abertas, com centros de investigação abertos.
É claro que podemos sempre ignorar este caminho e voltar a um tempo primitivo, distópico, onde se rejeite o progresso e o conhecimento mas onde se assegurem casas de banho sem discriminação de sexo. Temo, porém, que as emissões provocadas pela flatulência destes neo-cromagnon acabem por nos conduzir, também, à extinção. E é preciso ter cuidado com isso, é que não há Planeta B.
Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes