11 novembro 2022 0:04
Há 200 anos não existia. A ausência de Deus, as angústias com o “eu” e a industrialização criaram uma “epidemia”
11 novembro 2022 0:04
Foi por volta de 2017 que as autoridades federais americanas decidiram tocar no alarme e anunciar que a “solidão” tinha atingido o grau de “epidemia”. A decisão foi tomada a partir de um inquérito cujas questões eram tão abertas que se chegou à óbvia conclusão de que todos sentimos solidão em algum ponto da vida; mas, acima de tudo, o inquérito validou a indústria farmacêutica: se era epidemia, então teria de ser curada por um medicamento. E avançou-se com os testes clínicos para um comprimido contra a “solidão”, algo que desbloqueasse o indivíduo e permitisse “relações sociais com sentido”. Nos EUA seguiram com a sintetização no cérebro de neuroesteroides, e na Alemanha continuaram com testes com ocitocina, a “droga do amor”. Eis um detalhe interessante: a solidão é uma invenção moderna, com pouco mais de 200 anos. No livro “Robinson Crusoé”, de 1719, não há uma única referência a “solidão” nos 28 anos que ele passou na ilha (com ou sem o Sexta-Feira). No filme “Cast Away” (2000), a personagem de Tom Hanks quase morre a salvar uma bola de vólei, porque não concebe a ideia de ficar sem a companhia de Wilson — o amigo desinsuflado que lhe dava sentido à vida. A solidão, nas suas variadas formas até chegar ao grau de epidemia, nasceu e cresceu entre estes dois náufragos ficcionais.
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