Opinião

OE 2023: quanto para a natureza?

OE 2023: quanto para a natureza?

Ângela Morgado

Diretora executiva na Associação Natureza Portugal/WWF

O Fundo Ambiental tem sido atribuído a todas as áreas menos à conservação da natureza. O Orçamento para 2022 revelou a falta de atenção do Governo para com a biodiversidade, prevendo um total de zero euros para ações de restauro da natureza – isto quando sabemos que não basta proteger o que temos: é preciso restaurar o que já se destruiu

Portugal sofre de um problema crónico de falta de investimento na conservação da natureza, o que começa a ter impactos visíveis: na pouca disponibilidade de água, na grande dimensão de território ardido e degradado, nos nossos rios pouco livres, na forma pouco responsável de produzir a nossa comida e na forma desequilibrada como nos alimentamos. Tudo tem impactos enormes na nossa saúde e na nossa qualidade de vida.

O nosso país sofre ainda de um outro problema crónico: anunciamos metas desafiadoras e comemoramos quando estamos prestes a cumpri-las, mas depois pouco queremos saber se o seu cumprimento é real. Exemplo disso é o facto de termos no papel quase 30% do território terrestre protegido, mas não queremos saber se esse território está de facto protegido e se existe o financiamento adequado para a sua gestão efetiva. Neste caso não existe, como foi atestado neste ano pelo Tribunal de Contas.

O Fundo Ambiental, a fonte mais óbvia para conservar o nosso património natural, tem sido atribuído a todas as áreas menos à conservação da natureza. O seu orçamento para 2022 revelou a falta de atenção do Governo para com a biodiversidade, prevendo um total de zero euros para ações de restauro da natureza – isto quando sabemos que não basta proteger o que temos: é preciso restaurar o que já se destruiu para atingirmos as metas definidas nos acordos climáticos e estratégias de biodiversidade.

Numa altura em que se debatem na COP 27 as ações fundamentais para o cumprimento destes acordos para garantir com urgência um futuro saudável para as pessoas no nosso planeta, uma das prioridades deste Orçamento do Estado em matéria ambiental deveria ser a alocação de recursos para o restauro da natureza.

Por exemplo, a recuperação dos ecossistemas fluviais, muito presente nos discursos políticos, mas pouco na concretização de ações efetivas neste âmbito. Uma das formas de restaurar os rios é removendo barreiras fluviais que deixaram de servir o seu propósito e que já estão identificadas pela Agência Portuguesa do Ambiente.

Se não houver previsão no OE 2023 para a remoção destas infraestruturas, não iremos conseguir devolver aos peixes migratórios os seus locais de desova, às espécies os seus habitats naturais, às pessoas os mais diversos serviços de rega, pesca e lazer que os rios lhes oferecem, nem garantir a qualidade e quantidade de água que todos precisamos. Esta grave omissão no OE continua a empurrar para os cidadãos uma responsabilidade que deveria ser, antes de mais, do Estado. Um futuro com água para todos não depende só da poupança no dia a dia, mas da coragem política para rever erros do passado.

Ainda dentro da ação climática e da Lei do Restauro, não podemos ficar indiferentes ao impacto que as escolhas alimentares têm na desflorestação e na degradação dos habitats. Aqui, o Estado deve também dar o exemplo e aplicar de forma eficaz a Estratégia Nacional de Compras Públicas Ecológicas.

As compras públicas, pelo seu volume e alcance, têm grande potencial de instituir uma mudança real nos hábitos de consumo – e, consequentemente, de produção – para modelos mais sustentáveis. Em orçamentos anteriores esta foi uma grave lacuna, que vamos a tempo de corrigir. Dotar financeiramente a implementação desta estratégia mostraria o compromisso sério do Governo com o combate às crises climática e de biodiversidade.

Poderíamos fazer uma enorme lista de desejos para este Orçamento do Estado – mas de listas estamos nós cheios, de palavras ocas e compromissos vazios também. Este é o tempo da ação efetiva e concreta que permita a Portugal alinhar-se finalmente com um futuro sustentável, ao invés de continuar a correr atrás do prejuízo. Escolher e investir na natureza significa sobretudo investir nas pessoas. E não é isso que devemos esperar dos nossos governantes?

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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