Opinião

Trapalhadas e mais trapalhadas

Trapalhadas e mais trapalhadas

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

Trapalhadas é algo com que o atual governo nos tem presenteado em abundância

No relativamente curto tempo de existência que leva, trapalhadas é algo com que o atual governo nos tem presenteado em abundância. E, em coerência com essa malfadada prática, nos últimos dias a evidência disso tem saído reforçada. Deixo apenas alguns exemplos.

Comecemos pelo célebre PRR. Sem qualquer originalidade – porque outros, muito mais conhecedores do que eu, o fizeram e bem melhor – critiquei aqui, várias vezes, o seu teor e, sobretudo, a inversão clara de prioridades em que assenta. É certo que foi aprovado por Bruxelas, mas isso não significa, a meu ver, outra coisa, se não que as instâncias europeias muitas vezes também se enganam…

Mas, já que não era bom, ao menos que fosse adequadamente executado. Pois nem isso…

Soubemos agora que apenas 6% do total das verbas foi entregue aos seus destinatários (e isto quando já passou mais de um ano desde que os primeiros concursos foram abertos). Ou seja, à roda de 1000 milhões de euros de um total de 16,6 mil milhões (e de cerca de 3,3 mil milhões que o país já concretamente recebeu).

Defendendo-se, o Executivo já veio dizer que mais de metade dos fundos já estavam contratados. Não surpreende. É a típica lógica socialista. Face à insuficiência da realização, apregoa-se números!

Mas, como se isso não fosse, por si só, bastante, as famílias e as empresas foram destinatárias de apenas 5% do total. O resto foi para entidades públicas.

Não questiono a necessidade de tais entidades receberem uma parcela relevante destes apoios. Porque é a elas que cabe um papel determinante na resolução dos estrangulamentos que impedem o nosso adequado desenvolvimento. Mas afigura-se-me evidente que é um erro a proporção relativa da distribuição. Porque são as pessoas concretas que estão a passar por dificuldades crescentes. E porque são as empresas que criam emprego e riqueza.

Acresce, a tudo isto, que não consigo encontrar explicação racional para certo tipo de despesas que o PRR suporta. E deixo, entre muitos, um exemplo simbólico: a campanha publicitária sobre a proibição de queimas e queimadas.

Pergunto: que tem isto que ver com um programa extraordinário, como o PRR devia ser? Não se trata, antes, tipicamente, de uma iniciativa a ser financiada pelas verbas orçamentais normais?

Passemos, agora, ao episódio do Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro. Segundo a informação vinda a pública, o responsável em causa é arguido (e não apenas investigado) em dois processos-crime.

Ignoro, evidentemente, se a sua conduta tem algo de reprovável. Isso caberá aos tribunais decidir (ou, até, ao Ministério Público, se vier a arquivar os processos). E não enveredo pelo caminho fácil, típico dos sectores populistas ou dos jornais tabloides, de instilar a insidiosa ideia de que, se é político, certamente será culpado!

Sucede que o problema que este estado de coisas causa não é de imputação subjetiva de factos, mas de avaliação objetiva de condições de exercício. É saber se as suspeitas que sobre ele recaem são de molde a criar entropias na atividade do Governo. E são. Acrescidas, até, pelas funções de coordenação política que o cargo envolve.

Aqui chegados, sobram-me diversas perplexidades. Aquando da formulação do convite, o agora Secretário de Estado não informou o primeiro-ministro das situações em que estava envolvido? Se houve essa violação de um dever básico de lealdade, como pode o chefe do Governo contemporizar com ela, mantendo-o em funções? Se, diferentemente, tinha delas conhecimento, porque optou por nomeá-lo? Como é possível que o visado se defenda com o argumento de que, na base de tudo isto, está um preconceito contra Caminha?! O que explica que, nem António Costa, nem ele, compreendam que não há condições para a sua permanência?

Terceiro caso: a questão da EFACEC.

Na sequência dos acontecimentos, que todos conhecemos, relacionados com a anterior acionista Isabel dos Santos, à boa maneira da esquerda o Governo decidiu que a solução era nacionalizar “temporariamente” a empresa. Mais de dois anos decorridos, o processo de reprivatização fracassou. E fomos presenteados com um comunicado em que, laconicamente, se diz que tal aconteceu por “não se terem verificado todas as condições necessárias à concretização do acordo de venda”.

Ora, Portugal é, felizmente, um Estado de Direito Democrático, em que os valores da transparência e da “accountability” são centrais. Não teremos todos o direito de saber, em detalhe, o que se passou, até porque há garantias financeiras públicas associadas na ordem de muitas dezenas de milhões de euros?

Por outro lado, enquanto o impasse permanece a situação económica da empresa degrada-se significativamente e a defesa do suposto interesse público que justificou a nacionalização assemelha-se, cada vez mais, a uma miragem.

Tanta trapalhada! Mas, infelizmente, não ficarão por aqui. Aguardemos, pois (e não será seguramente por muito tempo), pelos novos episódios…

Fora do tema do presente texto, gostaria, ainda, de deixar aqui uma nota alusiva à cessação de funções de Jerónimo de Sousa como Secretário-Geral do PCP.

À esquerda e à direita, sucederam-se as manifestações de simpatia e respeito pelas características da pessoa e pelas qualidades do político. E quero a elas, com gosto, associar-me. Porque, se praticamente tudo dele me separa em termos ideológicos, os muitos anos em que convivemos enquanto parlamentares permitem-me, com autoridade, dizer que são inteiramente merecidas.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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