Dizem que a primeira grande crise num casamento é aos sete anos. Ora, o governo português parece enfrentar a sua primeira grande crise com o eleitorado português com este Orçamento, passados não 7 anos, mas apenas 7 meses após a sua tomada de posse.
É o primeiro Orçamento de contenção, publicamente afirmada pelas medidas nele previstas que visam dar resposta aos desafios que iremos enfrentar nos próximos meses e anos.
Este é um Orçamento que pode incomodar muitos. Porque tardio. Porque parece que afinal, ainda que não ignorando que os tempos que se avizinham não serão fáceis. Podia ter ido mais longe? Podia. Mas para tal seria necessário olhar com ainda maior dureza o panorama internacional.
A subida das taxas de juro, e o atingir de novos máximos desde 2009, num país em que mais de 75% dos portugueses têm “casa própria”, confronta-nos desde logo com um deja vu, que remonta ao inicio da década passada: desde a escalada de prestações de credito habitação (crédito habitação cuja concessão desacelerou apenas em agosto passado face a outubro de 2020), ao sobre-endividamento, uma verdadeira angústia para as famílias, com ameaça premente, agravada pela status quo do mercado de arrendamento, e que põe em causa aquele que é um direito universalmente reconhecido e que integra a Declaração Universal dos Direitos Humanos desde 1948 - o direito a uma habitação condigna.
Acresce a escalada da inflação, a degradação do poder de compra e da satisfação das necessidades (mais básicas), e um conflito internacional que ameaça o fornecimento do fluxo de gás, por parte da Rússia, através do gasoduto Nord Stream 1 para a Europa, citando a necessidade de realizar reparos. Este inverno a necessidade desses “reparos” surgirá durante mais tempo e Putin forçará o Ocidente a equacionar uma derrota na Ucrânia.
As recentes declarações de Putin relativamente ao uso de armas nucleares divide opiniões no que respeita à efetivação de tal ameaça, havendo quem considere, por um lado, como a jornalista Eleanor Watson, da CBS, que o uso de uma arma nuclear tática na Ucrânia não é totalmente descabida, e por outro quem considere que não existem vantagens objetivas para a Rússia em avançar para uma guerra nuclear. Não obstante, a verdade é que a perspetiva de um possível Armagedão perante a efetivação das armas nucleares é já referenciada, inclusivamente pelo Presidente Biden em declarações no presente mês.
O Governo faz bem em prever um cenário que nos obriga a uma contenção, a saber administrar o que temos e com alguma dose de otimismo. Resta-nos esperar que tudo isto não seja puro otimismo com a efetivação as piores perspetivas da conjuntura internacional. Após uma duríssima pandemia, da qual estamos ainda em recuperação, o clima de medo e falta de confiança está instalado - ou melhor, agravado -, condenando o consumo à hibernação e fazendo-nos questionar sobre o efetivo crescimento económico de 1,3% ; ou sobre a anunciada descida de inflação para 4%; ou qual a descida de défice; ou que descida de dívida pública...
Mais acresce que, perante um cenário desta natureza, não existirá, seguramente, nenhum acordo de quatro anos que sobreviva. Os apoios para famílias e empresas na área da energia, o alívio fiscal para a agricultura, as medidas fiscais previstas, o aumento do salário mínimo em €55 serão obliterados pela maior crise económica, política e social dos últimos 100 anos.
Uma verdadeira crise existencial, da qual todos somos parte integrante, e que não obstante as responsabilidades pessoais, profissionais, enquanto indivíduos ou enquanto organizações, terá de ser obrigatoriamente encarada e vivenciada, com um verdadeiro sentido de missão, determinação, perseverança, solidariedade, equidade e respeito pelo próximo.
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