Opinião

Os amigos de Meloni

Os amigos de Meloni

Henrique Burnay

Consultor em Assuntos Europeus

O apoio à Ucrânia, a dependência do dinheiro europeu, o alinhamento com França nos temas económicos e monetários foram bem recebidos em Bruxelas. Os conflitos vão ser sobre migrações e temas sociais, mas isso pode favorecer Meloni internamente

À saída de uma das reuniões que teve em Bruxelas na semana passada, Girogia Meloni disse que “Roma cuidará de defender os seus interesses na União Europeia”. Foi a frase mais supostamente nacionalista que os jornalistas conseguiram citar. Obviamente, não gerou controvérsia.

A primeira viagem ao estrangeiro da nova primeira-ministra italiana foi a Bruxelas e correu bem para todos os envolvidos, mas terá desiludido quem esperava que Meloni fosse recebida com um cordão sanitário. Não foi. Por ninguém. E há várias razões para isso.

Em Bruxelas, e em muitas capitais europeias, há esperança de que Meloni seja uma espécie de Alexis Tsipras, e os Fratelli d’Italia uma versão à direita do Syriza. E a visita de Meloni a Bruxelas ajudou a essa expectativa. Apesar dos slogans eleitorais, a nova governante parece ter percebido (sinceramente ou não, tanto faz) as limitações de estar na União Europeia e de depender do dinheiro europeu.

Para começar, Bruxelas e as capitais europeias gostam da resposta até agora dada às duas primeiras perguntas que se fizeram após as eleições italianas: é fascista ou não é, apoia a Ucrânia ou não?

Só no fim do mandato – provavelmente muito mais cedo do que daqui a quatro anos - é que será possível dizer que o governo de Meloni não é fascista. Mas, por enquanto, não há nada no que a primeira-ministra veio dizer a Bruxelas que aponte nesse sentido. Uma primeira-ministra defender o interesse nacional só pode irritar ultra-federalistas, e não há nenhum chefe de Estado ou de governo que o seja.

Sobre a Ucrânia, Meloni parece ser a melhor coisa que podia ter acontecido aos restantes líderes europeus. A alternativa era Giuseppe Conte, o inesperado primeiro-ministro entre Junho de 2018 e Fevereiro de 2021, que se tem destacado por declarações e participações naquelas manifestações pacifistas que se confundem fácil e justificadamente com distanciamento da Ucrânia e da NATO. À direita, as alternativas (Berlusconi e Salvini) também eram todas piores.

Nos temas fascismo e Ucrânia, Bruxelas e demais capitais estão, por agora, satisfeitas e tranquilizadas.

Nos temas económicos, as coisas, por enquanto, também parecem bem encaminhadas. Itália é o maior beneficiário dos fundos extraordinários para a recuperação e resiliência, a troco de algumas reformas e, sobretudo, de não se desviar do caminho europeu. Por outro lado, Bruxelas e Frankfurt não querem que Itália ponha em risco a zona Euro, pelo que não serão excessivamente duros com Roma. Mas Meloni também sabe que se causar demasiados problemas verá a torneira fechar-se, os juros subir e a economia implodir. É uma espécie de ameaça de destruição mútua que nenhuma das partes quer arriscar.

Noutros temas, Macron vai continuar a fazer o que fazia com Draghi: tentar introduzir Itália no meio do antigo eixo franco-alemão, para reforçar a posição francesa. Como Paris (e Lisboa, ou Madrid, entre outras), Roma também quer regras menos rígidas para a zona Euro e maior possibilidade de se endividar com programas sociais. E sobre os juros do Banco Central Europeu, Meloni diz mais ou menos o mesmo que António Costa: que mais pode ser demais. Provavelmente não terão sucesso, mas pelo menos têm quem culpar.

O problema de Giorgia Meloni foi no regresso a Itália. Ou talvez não. A decisão do governo de Roma de impedir o desembarque nos portos italianos de navios de Organizações Não Governamentais com migrantes resgatados no Mediterrâneo gerou expectáveis críticas violentas. A ideia de que Itália não deixa aquelas pessoas chegarem sãs e salvas a terra choca muitos, mas não é necessariamente má para a estratégia política de Meloni.

A campanha eleitoral de Giorgia Meloni focou-se muito na questão da pressão migratória, e teve sucesso junto dos eleitores. Ser acusada de cumprir o que prometeu pode compensar internamente outras cedências a Bruxelas. Nessa medida, quanto mais os ativistas a acusarem, mais popular Meloni vai ser em casa.

Do lado mais prático, Giogia Meloni tem alguma razão. Não faz sentido que a política europeia de acolhimento de migrantes seja resolvida por ONGs. Há muito que a Europa tinha de assumir que o que se passa no Mediterrâneo não é um problema italiano (como não era um problema grego). E se não consegue impedir a passagem de migrantes, o esforço de acolhimento não pode ser apenas de um Estado membro, e não pode ser gerido por Organizações Não Governamentais.

Como o fluxo não vai parar, Meloni precisa mais de aliados entre os que acham que os migrantes devem ser acolhidos pela Europa, do que da direita radical europeia. Ou seja, precisa mais dos sociais democratas nórdicos do que de Órban. O problema é que, como mostraram as últimas eleições, no norte da Europa começa a haver uma maior disposição para temer as consequências políticas do acolhimento de migrantes, e menos vontade de os receber.

Os últimos aliados de Meloni são os que mais a detestam. Os movimentos políticos e os ativistas das causas a favor do aborto, dos direitos LGBT ou da igualdade de género vão ter certamente oportunidade de se manifestar contra Meloni. A questão é que isso só é tema europeu no limite da violação dos direitos fundamentais. De resto, não permitir o aborto ou dificultar o casamento homossexual, por muito que provoque reacções, não é matéria de política europeia. No limite do respeito pelos direitos fundamentais, insista-se. Se Meloni se mantiver dentro dessa linha, as manifestações, inteiramente legítimas, podem reforçar o apoio à primeira-ministra italiana. Ou não. Mas isso é política interna.

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