Opinião

As Causas. Da Torre de Belém a Porto Brandão

Jerónimo de Sousa é uma figura simpática, mas como lembrou Marques Mendes numa excelente análise ao PCP no domingo, os seus 18 anos de liderança foram um fracasso, ainda que provavelmente a culpa nem seja sobretudo dele

Costumo dizer que parece haver uma hipótese muito rápida de passar de Lisboa para a outra margem do Tejo: vir a correr pela Avenida da Torre de Belém abaixo e ao chegar ao rio dar um salto e com isso tentar chegar a Porto Brandão.

Uma alternativa existe, mas parece ser menos rápida: usar a Ponte 25 de Abril. Mas talvez se possa arriscar dizer que é uma melhor alternativa.

Os temas que vou abordar hoje têm todos algo em comum com este tipo de “dilema”.

Vamos então a isso.

AQUECIMENTO GLOBAL: PARA QUANDO O REALISMO?

Começou há 2 dias em Sharm el-Sheik, no Egipto, a COP 27 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas). Tudo o que se disser sobre a sua importância é pouco.

O que está no centro dos debates é o Acordo de Paris de 2015, em que se conseguiu unir o Mundo à volta do objetivo de manter o aumento da temperatura média global inferior a dois graus celsius acima dos níveis pré-industriais e, de preferência, limitar o aumento a 1,5 grau.

Passaram 7 anos e o Economist fazia há três dias a capa apelando subliminarmente para a lenda de Guilherme Tell, e com a frase “Digam adeus aos 1,5 graus”:

A razão é simples, como explicam: para se poder esperar que existam 50% de probabilidades de que o aquecimento global não aumente mais de 1,5 graus centigrados em relação ao nível pré-industrial, não podem emitir-se de forma agregada mais de 2.890 milhares de milhões de toneladas de dióxido de carbono (a que os especialistas chamam o “budget”).

No entanto, até 2019 já se tinham emitido 2.390 milhares de milhões pelo que para todo o futuro não será possível emitir mais de 500 milhares de milhões de toneladas.

No entanto, desde então, em cada ano, são emitidos mais 40 milhares de milhões e com o recente regresso ao carvão em força nalguns países isso só vai piorar.

Ou seja, mesmo que se não acelerem as emissões (é o que está ainda a acontecer a nível mundial), em menos de 10 anos esgota-se completamente o “budget”, e daí para a frente só pode piorar, a menos que se possam implementar soluções – ainda inviáveis – de captar milhares de milhões de toneladas de carbono por ano ou se for possível reduzir a intensidade dos raios solares que chegam à Terra.

Como na história da travessia do Tejo, em 2015 todos os especialistas e líderes políticos sabiam que era isto o que iria acontecer, mas optaram por colocar um objetivo inalcançável.

Para uns, afirmar o que se sabe ser inatingível é a forma de assustar políticos e cidadãos, para que se mobilizem. Para outros, em que me insiro, é um disparate, pois mobiliza tanto quanto gritar todos os dias “vem aí o lobo” não ajudava a aldeia a preparar-se para quando ele viesse.

Desejo – mas não acredito – que no Egipto se avance com políticas mais realistas, deixando de estigmatizar o gás natural, afirmando que o nuclear é uma energia verde (como o fez a União Europeia) e tratando a eólica e a solar com prioridade sensata, em que por exemplo o valor da proteção do ecossistema e das paisagens seja também ponderado.

SEMANA DE 4 DIAS: É PARA LEVAR A SÉRIO?

Outro exemplo semelhante é a semana de 4 dias em Portugal. Vivemos num país com salários baixos, empresas frágeis, inflação forte, Estado muito endividado e carência de mão-de-obra na maior parte dos setores.

O Governo – como os ambientalistas radicais no anterior exemplo - colocou o tema na agenda política. E devo reconhecer que em matéria de comunicação política é muito hábil: quem não sonha trabalhar menos 20%, ter 3 dias por semana de lazer e vida familiar, e não perder rendimento?

A pressão da medida piloto sobre o mercado de trabalho será óbvia. Como dizem alguns entrevistados, “agora espero por um emprego que seja de 4 dias com o mesmo rendimento e parte em teletrabalho”.

Isto vai acentuar em Portugal o fenómeno que existe em países mais evoluídos: o forte sistema de proteção social e a existência de um mercado paralelo para “biscates” afasta muitas pessoas dos empregos disponíveis.

E vai ter o natural efeito nos empresários: antecipando a redução de horas de trabalho e a manutenção dos ordenados, a lógica será “descontar” para hoje a evolução futura e reduzir o esforço para aumentar os salários.

Acresce que o Governo – apesar do que afirma o responsável pela experiência piloto – insiste quase todos os dias em que será possível avançar com a semana de 4 dias na administração pública: mais dia menos dia, teremos a CGTP (para já ainda com receio da “modernice”…) a pegar nessa bandeira e em 2024 há eleições…

Mais uma vez, estamos a tentar atravessar o rio com um salto. Tem tudo para correr mal.

MERCADO DA HABITAÇÃO: O ESTADO MEXE E ESTRAGA?

E que dizer da estratégia de obrigar os senhorios a não aumentar as rendas mais de 2%, apesar da inflação muito superior?

Mais uma vez, uma hábil medida do Governo: qual é o inquilino – vote no Chega, no BE, ou seja onde for – que não fica contente em ser protegido?

O problema é que quando se mexe num mercado aberto e concorrencial, que tem os seus equilíbrios, devem ser ponderados os efeitos de adaptação, como começou de imediato a acontecer.

Um senhorio que tem um inquilino de boa qualidade, ajustaria a renda com receio de o perder e o inquilino, com receio de não encontrar nada melhor nem mais barato, preferia fazer um esforço a ir-se embora.

Acresce que Portugal precisa de desenvolver o mercado do arrendamento, por razões óbvias, e esta medida governamental dá “incentivos negativos” para a essencial entrada de capitais privados no mercado.

E Pedro Nuno Santos – em forte perda de popularidade – já deu o passo seguinte: propõe que se controle as rendas também dos novos contratos.

Com tantas alternativas para aplicar poupanças no estrangeiro, será que o Governo percebe o que está a fazer?

PCP: UMA SEITA NAS TRINCHEIRAS?

O PCP substituiu Jerónimo de Sousa por Paulo Raimundo, um total desconhecido fora dos militantes, que nunca foi à televisão e que os entendidos no tema dizem que é um “ortodoxo” da luta de classes dos trabalhadores contra o patronato (mas Arménio Carlos, o ex-líder da CGTP, não se lembra dele…).

Jerónimo de Sousa é uma figura simpática, mas como lembrou Marques Mendes numa excelente análise ao PCP no domingo, os seus 18 anos de liderança foram um fracasso, ainda que provavelmente a culpa nem seja sobretudo dele.

Nos 18 anos do seu consulado, o PCP passou de 14 para 6 deputados, de 32 para 19 presidências de Câmara, de 433 000 (7,5%) para 238 000 (4,3%) votantes nas legislativas. E nas sondagens está hoje bem pior.

O problema é que o PCP passou a ser um partido-seita, fechado sobre si mesmo, um partido-trincheira, barricado contra o Mundo, e indiferente afinal aos mais de 95% que não votam nele.

O PCP é hoje um partido leninista sempre a sonhar que um dia será possível passar a salto da Torre de Belém para Porto Brandão.

O PCP pode dar a volta? Claro que sim, e só um “ortodoxo” pode fazê-lo.

Seria adaptar o PCP ao mundo atual, ao menos para poder competir com o BE e com o Chega (que nas últimas sondagens tem quase três vezes mais votantes e começou uma viragem para a esquerda em temas sociais).

Não li nem ouvi ninguém convencido de que Raimundo é homem para isso. Mas eu sinceramente gostaria – como tantas vezes disse – que o PCP deixasse de ser uma seita e passasse a ter a “função tribunícia” que na Europa do Século XX desempenhavam os comunistas e que agora está a competir a partidos de direita radical.

O ELOGIO

Fernando Ulrich é do PSD, conhecido por não fazer fretes e sabe de economia e finanças. Anuncia o Expresso uma entrevista com ele para a próxima 6ª feira e revela que considera o Orçamento de Estado “do ponto de vista global positivo e equilibrado”.

Era o que me parecia. Por isso o merecido elogio vai para António Costa e Fernando Medina, pois na conjuntura que vivemos é ainda mais meritório que assim seja. E, claro, vai também para Fernando Ulrich.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Por vezes os livros cuja leitura sugiro, são também sugestões para tradução. É o caso de “Emergency State”, de Adam Wagner, um barrister especializado em direitos humanos, que o Financial Times analisa com rigor e considera um “contributo vital” para o debate entre a proteção das pessoas em pandemia e o respeito dos direitos humanos.

Quando começa a ser finalmente contada a história dos efeitos nefastos dos excessos de proteção contra a COVID, na saúde mental, no agravamento de outras doenças, na socialização dos jovens, na redução das desigualdades, até na inflação, este livro parece muito importante.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

O Secretário de Estado Adjunto, Miguel Alves, foi pretexto para a Loucura Mansa da passada semana, pois parecia que ninguém estava a ligar-lhe nada...

Tudo mudou e ele foi obrigado a dar a cara. Antigamente era usual escrever-se “não falou, disse” quando alguém era especialmente eloquente. Alves “falou”, depois de uma semana em que os media não o largaram. Mas nada “disse”…

Falou que não era bandido nem tolo, o que é sempre bom saber-se. E, copiando o Presidente da República, falou que é a “bolha mediática” que o ataca e queixou-se, qual Calimero de Caminha, de ser atacado por ser de fora de Lisboa.

Por isso pergunta: ele não sabe que já está com um par de patins? Ninguém lhe disse?

E outra: perante alguém que – como referiu ontem Henrique Raposo no Expresso – “ou é corrupto ou incompetente”, quanto tempo o Primeiro-Ministro o vai aguentar e a pagar um preço político que não lhe convém?

A LOUCURA MANSA

Lê-se e não se acredita. A Assembleia da República recusou acolher uma exposição (“Memória – Totalitarismo na Europa”) que já passou por 19 países europeus e foi trazida por +Liberdade, onde se presta homenagem aos muitos milhões de vítimas do nazismo, comunismo e fascismo.

O argumento parece ter sido (não encontrei nada dos media nacionais sobre isso na Google, exceto no Novo) que não houve consenso devido à oposição do PCP, BE, LIVRE e PS. E a oposição seria por não se dar igual relevo ao Salazarismo.

Curioso argumento, pois nunca vi exigir que só se pudessem revelar abusos do Salazarismo se em conjunto com os do comunismo…

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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