Estamos perante algo absolutamente inacreditável, até porque está a ser silenciado: o radical transgénero faz o mesmo que o velho marialva, isto é, retira as mulheres e o feminino do espaço público, chegando ao ponto de exigir a anulação da própria palavra “mulher”
É assim há muito tempo. O pós-verdade que vem da direita é destratado, e bem. No entanto, o pós-verdade que vem da esquerda é acarinhado e legitimado. A história não interessa no tema da escravatura, por exemplo. A biologia não interessa no tema dos transgénero, noutro exemplo. À direita, radicais que negam a química e as vacinas são, e bem, criticados. À esquerda, alguns radicais negam a biologia, mas são acolhidos como heróis até pelas entidades científicas e médicas.
Porque é que os altos critérios da verdade só se aplicam aos erros da direita? Porque é que os erros da esquerda são cultivados fora de qualquer critério objetivo de verdade e numa lógica onde só impera a subjetividade das pessoas de esquerda? Ou seja, porque é que a esquerda tem direito ao pós-verdade?
O radicalismo transgénero é um bom exemplo desta realidade. Nega-se a biologia, uma ciência, em nome da subjetividade e sensibilidade dos transgéneros ao ponto em que entidades científicas, como a CDC americana, anulam conceitos biológicos e culturais tão fortes como “mulher”. O que é mais chocante neste radicalismo nem é o evidente pós-verdade e o império do "eu" acima de qualquer critério objetivo de verdade. O que é mais chocante - pelo menos para mim - é o evidente machismo do radicalismo transgénero, que, em vez de pedir respeito pela sua diferença, está a destruir tudo à sua volta, a começar na ideia de "mulher". Sim, estamos perante algo absolutamente inacreditável, até porque está a ser silenciado: o radical transgénero faz o mesmo que o velho marialva, isto é, retira as mulheres e o feminino do espaço público, chegando ao ponto de exigir a anulação da própria palavra “mulher”.
A CDC emitiu um comunicado que impõe a expressão “pessoa grávida”, proibindo assim a palavra “mulher”. Isto é uma aberração objetiva e empírica: não há pessoas com útero, não há pessoas grávidas, há mulheres. Mas isto é sobretudo uma aberração contra o feminismo, contra a dignidade e emancipação das mulheres. Reparem neste absurdo: eu estou a educar duas filhas para se defenderem contra os velhos códigos machistas, uma luta que está longe de estar finalizada, mas, ao lado, forças ditas progressistas estão a destruir o próprio conceito de mulher e de feminismo em nome do tribalismo transgénero. As mulheres no passado tinham de se calar perante o machista, agora têm de se calar perante o ativista transgénero. A misoginia, lamento, parece-me igual.
Como sempre acontece, não são os homens hetero que sofrem mais com esta nova corrente. São as mulheres. A par da condição gay, a condição feminina é a grande baixa desta guerrilha ideológica que confunde respeito com submissão. Aliás, neste momento, o pior tipo de machismo que paira sobre nós não é o velho marialvismo, porque esse é conhecido e atacado. O pior tipo de machismo é mesmo este radicalismo transgénero, porque não é criticado, não é atacado, não é questionado, até porque as feministas que não se calam, na linha de Mantel e Atwood, são atacadas e "canceladas".
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