Opinião

Os caminhos à direita

Os caminhos à direita

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

Creio que, mais tarde ou mais cedo (preferencialmente mais cedo), aqueles que viram no apoio à Iniciativa Liberal e ao Chega a solução para que algo mudasse, compreenderão o logro em que caíram

Entre nós, o espaço político da esquerda tem demonstrado, em mais de quatro décadas, grande volatilidade no plano da sua organização. Assim, independentemente da presença permanente do PS e do PCP, no seu lado mais extremo multiplicaram-se grupos e grupelhos, normalmente sem sucesso. Mas foram-se gerando também novos protagonistas, uns que ficaram, outros que desapareceram. Recordo o PRD e o seu impressivo resultado nas eleições de 1985, a criação do Bloco de Esquerda e a sua entrada na Assembleia da República em 1999 e, mais recentemente, o PAN e o Livre.

Diferentemente, o campo à direita (que não significa o mesmo que “de direita”) revelou-se, ao longo desse período, muito estável. E isso traduziu-se no facto de a sua representação ter sido assumida pelo PSD e pelo CDS, embora, como é sabido, com uma significativa discrepância entre ambos, que umas vezes se alargava e outras se estreitava. E a verdade é que, tirando alguns episódios sem êxito, também provenientes de sectores mais extremos, praticamente inexistiram iniciativas visando a sua real recomposição.

Tal situação só começou a alterar-se nas legislativas de 2019, quando Iniciativa Liberal e Chega obtiveram um Deputado cada e sedimentou-se em 2022, com o reforço da posição de ambos e com a saída do CDS do Parlamento.

Ninguém pode, evidentemente, afiançar se esta nova realidade se consolidará ou não. Mas creio que há condições objetivas para considerar que pode não ter vindo para ficar, ao menos nos termos que agora se verificam.

Como em tudo na vida, em política a procura por algo novo é motivada, principalmente, pela insatisfação ou pelo cansaço. E foi precisamente isso que aconteceu à direita. Perante a dificuldade (ou até a incapacidade) dos partidos tradicionais para responderem, de forma efectiva, às suas inquietações, um número significativo de eleitores voltou-se para outros que, inteligentemente, exploraram esse vazio.

Mas a novidade, se não se der lugar à consistência, a prazo não leva a lugar algum. E, a meu ver, a consistência não é propriamente o forte dos mais recentes partidos à direita.

No que respeita ao Chega, isso não é de todo surpreendente. Como todos os populismos (à esquerda ou à direita), tudo se resume a uma espécie de promessa messiânica dos “amanhãs que cantam”, de invocação de uma superioridade moral que só os próprios veem – se é que os próprios -, de um aproveitamento irresponsável de problemas, reais ou inventados.

Já no que toca à Iniciativa Liberal, a debilidade da sua prestação afigura-se-me cada vez mais notória. A aposta tem sido, sobretudo, na imagem e no marketing: frases que ressoam e cartazes pictoricamente vistosos. Escolha inteligente, é certo, no quadro de um sistema político-partidário que, do ponto de vista comunicacional, se vinha tornando progressivamente maçador e cinzento. Mas a ausência de conteúdo é, em regra, indisfarçável. Ou, o que é pior, quando se verifica é incompreensível.

Como é óbvio, não se pode construir um discurso político apenas em torno da ideia de liberdade, declinando-a em todas as suas formas e feitios. E, certamente por isso, nada do que a Iniciativa Liberal diz nos fica na memória, para além, talvez, do disparate da “flat tax”.

Por outro lado, há silêncios que falam por si. E, a mim, impressiona-me acima de tudo a ausência de um discurso solidário, dirigido aos problemas dos mais necessitados, dos mais debilitados, dos mais frágeis.

A circunstância ficar-se-á a dever, porventura, ao facto de esse não ser o “mercado” eleitoral da Iniciativa Liberal. Mas, um partido para quem esse combate não constitua uma prioridade, não percebe qual é verdadeiramente o seu papel e a sua função.

Creio, assim, que mais tarde ou mais cedo (preferencialmente mais cedo), aqueles que viram no apoio a estes dois partidos a solução para que algo mudasse, compreenderão o logro em que caíram.

Mas criará esse estado de coisas, a confirmar-se, as condições para que os partidos tradicionais à direita retomem o espaço eleitoral que já foi seu? Isso, em larga medida, dependerá também do que forem, ou não, capazes de fazer.

O PSD vai no bom caminho, como todas as sondagens evidenciam. Tem feito oposição com garra e sido pró-activo na formulação de alternativas à desorientação e desgoverno socialista. O Luís Montenegro tem demonstrado estar à altura do desafio muito difícil que tem pela frente. E é especialmente impressivo que, nos já mais de cem dias que leva ao leme do partido, não lhe possa ser apontado um único erro relevante. Imprecisões aqui ou ali, sim. Mas não mais do que isso.

Para o CDS, a tarefa é bem mais complicada, dado o estado de degradação em que Nuno Melo herdou o partido. As qualidades políticas que tem não estão em causa, como o seu percurso demonstra. Mas, a circunstância de não dispor de representação parlamentar pesa de modo especialmente negativo, porque lhe retira aquele que é, em democracia, o espaço privilegiado de apresentação, mas também de ampliação, das mensagens.

Era importante, contudo, que tive sucesso. Porque o papel que ao CDS tradicionalmente coube, de agregação harmoniosa das diversas sensibilidades da direita democrática, e de elaboração ideológica consistente, faz falta, face ao panorama que hoje temos: um liberalismo inconsequente, por um lado e um radicalismo perigoso, por outro.

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