O embaraço do PSD perante a proposta de Orçamento do Estado para 2023 foi público e notório. Impossibilitado de não votar contra por dever de oposição, o PSD avançou com o ato inédito de procurar encavalitar um debate de urgência sobre gasodutos em cima do debate orçamental, como que a querer dizer que, a propósito do Orçamento, o melhor é mudar de assunto.
O embaraço compreende-se. Perante o apoio das associações patronais firmado através do “acordo de rendimentos” celebrado na concertação social tendo como contrapartida as benesses, algumas sem precedentes, constantes da proposta orçamental, só o dever de ofício levou o PSD a votar contra.
É um facto que o Orçamento para 2023 faz uma opção entre o capital e o trabalho, claramente a favor do capital.
Enquanto os trabalhadores e os reformados vão ter de enfrentar uma enorme perda de poder de compra, vendo os seus rendimentos consumidos por uma inflação muito superior aos aumentos de salários e pensões, este Orçamento traz novos benefícios fiscais para os grandes empresários que reforcem o capital das suas empresas, põe os contribuintes a pagar eventuais aumentos salariais, mantém os rendimentos mais elevados sem englobamento obrigatório, mantém um regime fiscal de residentes não habituais que isenta de impostos indivíduos com elevadíssimos rendimentos, e com o alargamento do prazo de reporte de prejuízos fiscais atribui às grandes empresas o maior jackpot dos últimos anos.
Em 2008, aquando da crise do subprime, da falência dos bancos e do ataque especulativo às dívidas soberanas, a solução encontrada pelo Governo PS/Sócrates foi a austeridade de PEC em PEC, sempre com o apoio do PSD de Passos Coelho, até ao momento em que este, sentindo a possibilidade assumir o poder, negou o apoio ao PEC 4 e provocou eleições.
A ação do Governo PSD de Passos Coelho entre 2011 e 2015 foi o que sabemos: austeridade imposta pela troika, a pretexto da troika e para além da troika, aumento enorme de impostos sobre os rendimentos do trabalho com a famigerada invenção da sobretaxa do IRS, aumento do IVA da restauração para 23 %, cortes brutais de salários e de pensões, eliminação de feriados, privatizações desastrosas, extinção de freguesias, liquidação de direitos laborais.
Em 2015 foi possível demonstrar que havia outro caminho, que a austeridade não era solução, e que a reposição de direitos e rendimentos dos trabalhadores e dos reformados era o caminho certo para recuperar da crise económica em que o país se viu envolvido.
Quando perante uma crise de consequências ainda imprevisíveis, a solução imposta pelo Governo PS, baseado na maioria absoluta de que dispõe, é a redução real dos salários e das pensões, as restrições no financiamento dos serviços públicos e o benefício das grandes empresas, estamos como que a regressar a 2008 e à política de empobrecimento em nome das contas certas.
Perante a mais alta inflação dos últimos trinta anos, o Governo PS pretende enfrentar a crise à custa da redução real dos salários e das pensões, sacrificando as condições de vida da maioria dos portugueses às exigências decorrentes dos critérios de convergência impostos pela zona Euro que, a serem seguidas, têm tudo para conduzir as economias de países como Portugal a uma crise social de dimensões devastadoras com consequências políticas imprevisíveis.
E enquanto o Governo PS de António Costa repete políticas de austeridade a fazer lembrar o Governo PS de Sócrates de má memória, o PSD, e a direita em geral, nada mais tem para oferecer a não ser a nostalgia do regresso ao PSD de Passos Coelho de péssima memória, o tal que fazia com que, como dizia Montenegro, o país estivesse melhor, mas os portugueses estivessem pior.
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