Opinião

A quem serve o aumento das taxas de juro?

A quem serve o aumento das taxas de juro?

João Pimenta Lopes

Eurodeputado do PCP

A necessidade de Portugal recuperar a sua soberania monetária, libertando-se da chantagem do BCE, dos mercados financeiros, ou de ambos, é uma questão incontornável para o futuro do país, que não pode simplesmente ser evitada

No passado dia 27, o BCE anunciou uma subida de 75 pontos percentuais das suas taxas de juro de referência. A terceira em menos de quatro meses, prevendo-se novas subidas no futuro, como preveniu Lagarde.

Ora, implementar uma política monetária que esmaga ainda mais o poder de compra, numa altura em que milhões de pessoas veem dificultado o acesso a bens e serviços essenciais, não só não é desejável como é errado. As medidas de combate às pressões sobre os preços terão antes de passar pelas verdadeiras causas do atual surto inflacionário – indissociáveis das perturbações nos mercados da energia, das matérias-primas e dos alimentos, a que não são alheias a especulação, as sanções, a guerra e os aproveitamentos que estão a proporcionar. Além disso, é fundamental defender o poder de compra dos trabalhadores também pelo aumento dos salários.

São várias as vozes, economistas, académicos, gente de diferentes quadrantes políticos, que alertam para as consequências destes aumentos, que podem precipitar uma grave crise económica e social. Recentemente, a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento alertou para o facto de que as políticas monetária e orçamental nas chamadas economias avançadas podem empurrar o mundo para uma recessão global e estagnação prolongada, com consequências mais graves do que a crise financeira em 2008 e o choque da COVID-19 em 2020.

Esta medida trará impactos concretos, mas variáveis, nas economias dos países da Zona Euro. É disso exemplo o mercado hipotecário, bastante heterogéneo quanto ao tipo de taxa de juro associada, variável ou fixa. Com uma expressão da primeira muito significativa em Portugal, onde predomina uma taxa de juro variável indexada às taxas Euribor, por contraste com países como França, Alemanha ou Holanda onde predominam taxas fixas.

Estas diferenças fazem com que as variações nas taxas de juro de referência sejam transferidas muito mais rapidamente nos empréstimos à habitação em Portugal do que na maioria dos países da Zona Euro. De acordo com o Banco de Portugal, em julho, após o primeiro aumento do BCE, a taxa de juro média dos novos empréstimos à habitação em Portugal registou a maior subida mensal da taxa de juro média desde 2003.

Este novo aumento do BCE, além de agravar ainda mais as condições de vida dos trabalhadores e das famílias portuguesas, aumentando a probabilidade de incumprimento dos créditos à habitação e ao consumo, cria dificuldades à solvabilidade das micro, pequenas e médias empresas em Portugal. Simultaneamente, põe em causa a estabilidade do sistema financeiro português e das condições de financiamento do Estado português.

Trata-se de uma decisão que vai ao encontro das exigências e dos interesses do grande capital financeiro, que há muito reclamava subidas nas taxas de juro, mas que irá agudizar o fosso das desigualdades socioeconómicas nos e entre os países da Zona Euro, agravando ainda mais as desigualdades na distribuição da riqueza. É uma decisão que confirma os limites e as perversões de uma política monetária única para países em condições muito diferenciadas, que, por ser ‘única’, não se ajusta e é contrária às necessidades, às especificidades e aos interesses de países como Portugal.

Também por isto, a necessidade de Portugal recuperar a sua soberania monetária, libertando-se da chantagem do BCE, dos mercados financeiros, ou de ambos, se apresenta como uma questão incontornável para o futuro do país, que não pode simplesmente ser evitada.

A atual situação reclama uma intervenção do Estado, regulando e fixando preços, nomeadamente de bens e serviços essenciais, a par o aumento geral dos salários, das pensões, reformas e outras prestações sociais, pelo menos ao nível da inflação, assim como uma política monetária adequada às necessidades do país, um sector bancário que financie a economia real e contribua para o aumento da produção nacional e para a redução dos desequilíbrios externos.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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