O Brasil está a alguns dias de eleger o seu novo presidente. A corrida é apertada entre o atual presidente, Jair Bolsonaro, e o antigo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Lula venceu a primeira volta das eleições de 3 de outubro, por 5,23%, e estava a menos de 3% de vencer por maioria absoluta. O facto de nenhum candidato presidencial que tenha ficado em segundo lugar na primeira volta ter ganho as eleições gerais favorece Lula. No entanto, ao mesmo tempo, os seus apoiantes devem estar cientes de que, desde 1998, todos os candidatos em funções conseguiram a reeleição. A polarização e o medo definem estas eleições. Além de serem as que mais divisão têm causado na história do Brasil, a preocupação e ansiedade sobre o futuro do país não se limitam apenas ao eleitorado, mas aos aliados internacionais do Brasil em todo o mundo.
O último debate presidencial, a 15 de outubro, exacerbou estes sentimentos. Lula, como esperado, saiu por cima na primeira parte do debate, chamando a atenção para a gestão que Bolsonaro fez da pandemia de covid-19 e a forma como o presidente disseminou desinformação sobre a doença e atrasou a aquisição e distribuição das vacinas, essenciais para salvar vidas. No entanto, à medida que se desenrolaram as trocas de acusações, Lula perdeu força. Não mencionou que Bolsonaro tem desacreditado constantemente o processo eleitoral brasileiro – incluindo o seu apelo à abolição do Supremo Tribunal do Brasil. Bolsonaro, na fase final, tomou então a iniciativa, quando Lula o deixou com sete minutos para falar livremente sem poder intervir. O presidente lançou a Lula uma série de acusações infundadas de corrupção, tendo depois dissipado as preocupações sobre o seu próprio “orçamento secreto” – um fundo que deu aos membros do Congresso Nacional do Brasil acesso a mais de 44 mil milhões de reais, sob a forma de subsídios públicos anónimos.
Contudo, o foco do desempenho de Bolsonaro esteve na sua agenda ultraconservadora, nomeadamente a proteção da família heterossexual "tradicional", a proibição do direito ao aborto e o direito da população a armar-se. Tudo isto juntamente com a sua insistência em chamar-se "cristão" e acusar Lula de ser, de alguma forma, antirreligioso (apesar de Lula ser responsável pela criação da lei da liberdade religiosa do país). Bolsonaro deixou claro que não se dirigia apenas à sua base de apoio – simpatizantes da extrema-direita, evangélicos, mulheres conservadoras e uma grande percentagem de homens brancos de classe média a alta –, mas também aos “bolsonaristas envergonhados”, que estão inclinados a apoiar o presidente, mas que são tímidos em declarar as suas verdadeiras intenções nas sondagens. Os eleitores desta natureza, e a sua hesitação em se comprometerem, publicamente, a votar em Bolsonaro, tornaram-se proeminentes na sequência de sondagens de opinião na primeira volta, que constataram que o apoio a Bolsonaro era, na verdade, 10% superior à conclusão inicial. A reformulação das promessas da campanha de Bolsonaro em 2018, durante este debate, também pode ser interpretada como uma representação teatral para o grupo de “bolsonaristas arrependidos”, que ajudaram a elegê-lo na altura, mas que viriam a desaprovar o seu mandato.
Grande parte da ansiedade em torno das eleições brasileiras também está em saber se Bolsonaro aceitará uma vitória legítima de Lula este domingo. Quando saíram os resultados da primeira volta, Bolsonaro disse que "nunca perdeu uma eleição e isso não vai acontecer agora". Numa entrevista na TV Record, a 29 de setembro, apresentou-se, infundadamente, como vítima do Tribunal Superior Eleitoral, mas disse que respeitaria os resultados eleitorais “se as eleições forem limpas”. Resta saber se irá “respeitar” o resultado da votação de domingo. O que é claro é que a sua campanha semeou dúvidas quanto à legitimidade do processo eleitoral do Brasil.
No debate presidencial, Bolsonaro terminou a afirmar que quer que o Brasil seja "um país livre" – o que deve ser entendido como livre de "ideologia do género", de drogas e de aborto. Lula respondeu, chamando a Bolsonaro "pequeno ditadorzinho", referindo que pouco se importa com os 33 milhões de brasileiros que vivem numa pobreza abjeta. Os eleitores que querem Bolsonaro fora do cargo estão convencidos de que novos ataques aos direitos dos cidadãos, grupos minoritários, questões ambientais e ao tecido democrático do Brasil continuarão, caso seja reeleito. Dada a sua estratégia de promover a divisão, temem que possa seguir os passos de Trump e incitar a uma insurreição, semelhante à invasão no Capitólio dos EUA, a 6 de janeiro de 2021. A propensão dos bolsonaristas para notícias falsas e a propagação da violência política que percorreu o país durante o mandato do presidente indica que um cenário desses não pode ser excluído. O facto de termos visto triplicar o número de armas registadas no Brasil entre 2019 e 2021, bem como de os proprietários de armas se alinharem tipicamente com Bolsonaro e as suas ambições políticas, significa que as eleições deste domingo e a sua potencial derrota podem ser um barril de pólvora para a democracia brasileira.
Ainda que, no período imediato pós-eleições, possa não haver grandes problemas, e Bolsonaro seja efetivamente derrotado e aceite esse resultado, o Brasil terá ainda um longo caminho de reabilitação pela frente. Para começar, Lula terá de lidar com um Congresso da oposição, já para não falar dos muitos senadores e governadores bolsonaristas que foram eleitos a 2 de outubro e que tudo farão para bloquear a implementação das suas promessas de proteger o ambiente, defender os direitos das minorias, apoiar a educação, reforçar o sistema de saúde pública e fazer crescer a economia. Pode acontecer que Lula ganhe e que haja uma transição suave de poder. No entanto, o legado e a sombra do bolsonarismo, bem como a divisão que semeou na sociedade brasileira, não desaparecerão assim tão depressa.
Tradução de Nelson Filipe
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