Opinião

Obrigado, “velho” Adriano

Obrigado, “velho” Adriano

Duarte Marques

Ex-deputado do PSD

Entrar no ISCSP no ano 2000 no curso de Relações Internacionais era dar de caras com o legado de Adriano Moreira. O antigo “ISCPU” era na verdade a escola do mítico Professor de Relações Internacionais que, apesar de já não lecionar na casa, inspirava professores e alunos com o seu exemplo, o seu legado e a sua sabedoria

O ISCSP da Rua da Junqueira respirava o estilo e uma visão do Mundo que definiam aquela que era, e para mim sempre será, a melhor escola de Relações Internacionais do país.

Adriano Moreira é hoje conhecido pela liderança do CDS, pelos notáveis artigos que nos habituámos a ler sobretudo no Diário de Notícias, pelas intervenções e conferências que foi fazendo e, claro, pela sua participação no governo de Salazar. Por alguma razão essa participação não domina hoje, nem mancha, o seu tremendo percurso, porque acima de tudo era um humanista, alguém que se preocupou desde cedo a estudar e a enquadrar a teoria das relações internacionais no contexto em que vivemos e a procurar fazer evoluir a política externa portuguesa num contexto internacional que o mundo já condenava.

Adriano Moreira fez parte das primeiras “comitivas” portuguesas que participaram nas reuniões das Nações Unidas, não como político, que ainda não era, mas como um académico, jurista, com uma visão das relações internacionais bem mais humanista e aberta do que o regime de então. Adriano Moreira, tal como outros, tentou mudar por dentro um regime que não quis mudar e que acabou por cair de podre.

Quem mais estudou e provavelmente “traduziu” para os dias de hoje o pensamento e a obra de Adriano Moreira foi o professor Marcos Farias Ferreira, que dedicou o seu doutoramento a interpretar e estudar o contributo do “velho” professor para as nossas Relações Internacionais. Para quem tiver curiosidade, a tese do “Marcos” está disponível com o título a “Via Média nas Relações Internacionais de Adriano Moreira (Cristaos & Pimenta A Via Media Na Teoria Das Relacoes Internacionais De Adriano Moreira: 9789724032368: Amazon.com: Books)

Inspirado na escola inglesa e em autores como o francês Raymond Aron, Adriano Moreira procurou estabelecer a linha média entre o realismo e o idealismo. Eu diria a via do bom senso entre a situação ideal e o contexto em que vivíamos.

Enquanto muitos se recordam do Professor Adriano pelos escritos, pelas suas aulas de Direito Internacional ou de Teoria das Relações Internacionais, eu recordo os pequenos encontros que a vida me foi proporcionando. O período mais intenso foi durante o período em que presidiu ao Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior e cujo gabinete era algures numas instalações da antiga FIL mesmo em frente ao saudoso Palácio Burnay.

Falar com o Professor Adriano, que nos habituámos a ver no retrato a óleo (creio) gigante no imponente auditório Adriano Moreira do antigo ISCSP era um privilégio e uma oportunidade. Fosse para o convidar para mais uma conferência, para um debate, tudo servia de desculpa para o “ir ouvir”. A primeira vez que tive essa oportunidade fui acompanhado da minha professora de Nações Unidas, Mónica Ferro, para o desafiar a participar em mais enésima conferência do ISCSP.

A partir daí percebi que todas as desculpas eram boas para o ouvir “debitar” com uma tranquilidade e humor bastante próprios que provocavam um silêncio ensurdecedor em qualquer sala para o ouvir. Era história no presente, era aproveitar para aprender enquanto fosse vivo e felizmente durou 100 anos de boa saúde e superior inteligência.

Mas não podia terminar este artigo sem mencionar um conjunto de pessoas que nos iam transmitindo a “mística” do Professor. Desde José Adelino Maltez, a quem roubo a carinhosa expressão do “velho Adriano”, a professores como os já citados Marcos Farias Ferreira ou Mónica Ferro, sem esquecer o “piloto-comandante” Vítor Marques dos Santos, Óscar Soares Barata, Manuel Almeida Ribeiro, Nuno Canas Mendes, o embaixador Francisco Knopfli e João Pereira Neto, dois seus companheiros de muitas diabruras.

Mas não podia esquecer os mais efusivos e, provavelmente, mais felizes e autênticos a passar aos alunos a história e os episódios do “Adrianinho”, falo-vos dos saudosos “contínuos” do ISCSP, os “míticos” senhor Raposo e senhor Pereira, que o tratavam por “tu” e com tremendo orgulho, e lágrima no canto do olho, nos contavam as peripécias, mas sobretudo a simpatia e humildade com que o Adrianinho sempre os tratou e que com eles conviveu.

Obrigado, Professor!

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