Duas semanas a acompanhar Portugal à distância é uma interessante situação, pelo que tem de estimulante, pois permite-me agora resistir ainda mais do que gosto à espuma dos dias.
Ao regressar, o que me parece ter sido politicamente essencial nestas três semanas tem a ver com o confronto/cooperação entre as duas personagens que marcam a política portuguesa desde 2015 e muito provavelmente marcarão por mais de 10 anos.
As personagens não são tudo o que explica a evolução histórica. Nunca foi assim e houve mesmo tempos no Século XX em que houve a ilusão de que o papel do indivíduo na História desaparecera pois seria o magma inorgânico das massas e das lutas sociais que tudo explicaria.
Mas podem ser essenciais.
O melhor será trazer alguns exemplos recentes:
- sem Putin, o aventureirismo imperial e o risco de uma guerra nuclear,
- sem Zellenski, a guerra patriótica de resistência,
- sem Liz Truss, a ópera cómica em que se tornou o Partido Conservador inglês estariam a existir?
É nesse contexto que realço o papel determinante para o nosso futuro do Presidente da República e do Primeiro-Ministro. Não se chamasse – para o bem e para o mal – um deles Marcelo e outro António, estaríamos seguramente numa situação muito diferente.
Vamos então tentar perceber um pouco mais, tendo também presente que nas passadas três semanas (desde o meu último texto no Expresso) estas duas personagens ocuparam todo o espaço mediático e seguramente as conversas aí em casa.
MARCELO AOS ZIGUEZAGUES
Dentro de uma semana, faz 6 anos que comento com regularidade a realidade portuguesa e, curiosamente, referi na primeira semana, a propósito de um tema, que a posição assumida pelo Presidente da República “o obrigará a outro ziguezague para isolar Costa. Tanta trapalhada, tantos disparates…”
Vamos a caminho de 7 anos de mandato presidencial, e em minha opinião uma das principais constantes que o define é de facto o ziguezague.
Isso não significa que Marcelo não seja capaz de consistência: desde logo pela sua extraordinária inteligência, ele é capaz de tudo. Até disso.
O problema é outro: ele é dotado de uma personalidade que causa este tipo de problemas, e já ouvi a um psiquiatra dizer que em linguagem técnica se deve considerar histérica (em alguma maneira por oposição à obsessiva).
Em resumo, que é assumidamente simplificado e por isso algo simplista, a personalidade de Marcelo é dramática, sedutora, exagerada, sempre necessitada de captar a atenção dos outros, alternando entre depressão e euforia, impulsiva, reagindo com hipersensibilidade, superficial nas relações, egotista, incapaz de viver com a exclusão, rejeição ou abandono das pessoas que lhe sejam próximas.
As suas sucessivas e contraditórias declarações sobre pedofilia na Igreja Católica – um erro que deveria ser rapidamente assumido, pois nada teve a ver com a sua decência moral, para depois seguir em frente – são disso um bom exemplo.
Assustado pelas reações que causou, várias vezes e em ziguezague tentou interpretar as suas próprias palavras, e o que começara como um desejo de agradar à Igreja institucional acabou rapidamente por se tornar num ataque que esta não precisava de ouvir de um filho (pre)dileto.
Só que a constante lua de mel dos portugueses com Marcelo resulta precisamente destas suas caraterísticas, e por isso nelas reside a sua força política.
MARCELO: AMAR TANTO TAMBÉM CANSA
É quase impossível não gostar, não ficar encantado, não aderir empaticamente a quem – com sinceridade, pois isso se sente – quer que cada português ou portuguesa goste dele e, com abraços, beijinhos, “selfies”, faz com que cada um dos 10 milhões que somos se sinta único aos seus olhos e amado ou capaz de ser amado por ele.
Este é um tesouro. Mas infelizmente Marcelo gere-o como o Tio Patinhas geria a sua fortuna, nadando nele e não o pondo a render.
Só que até mesmo um amor como este pode cansar quem beneficia dele e até gradualmente ser desvalorizado.
Há 3 semanas, recordei as últimas sondagens em que o saldo de avaliação positiva do Presidente tinha levado um trambolhão e era “apenas” de 24 pontos percentuais, a pior avaliação de sempre e quase só metade do que tinha há um ano.
Resulta disso muita da ansiedade com que Marcelo passou a viver nas últimas semanas a tentar encher ainda mais o espaço mediático, com várias conferências de imprensa diárias informais.
E por isso não me admira que “fontes do Palácio de Belém” (ou seja, Marcelo) estejam sobretudo preocupadas com a próxima sondagem.
Penso que ele não tem de se preocupar com isso, pois a opinião pública continuará a tratá-lo como um Presidente-Rei, e a gostar dele. Como diz o povo, “mais vale cair em graça do que ser engraçado”. E, além disso, Marcelo é mesmo muito engraçado.
Aqui também o problema é outro. Visto por mim e de fora de Portugal, a sensação que tive foi que se está a perder o respeito ao Presidente e a evaporar-se o receio de que criticá-lo tenha preços políticos que quem anda na política não quer suportar. Entre muitos outros exemplos, veja-se o cartoon de António no Expresso da passada semana:
O tema das incompatibilidades, as primeiras críticas vindas da área do PSD, os silêncios quando precisava e desejava apoios, o “flop” que foi o elogio a Passos Coelho que – neste caso – foi fácil perceber que era apenas uma cortina de fumo, tudo revela isso mesmo.
Em resumo, cada vez mais gente está desiludida com a sua irrelevância, cada vez mais abundam os que estão cansados de o ouvir diariamente a comentar tudo sem falar nunca do essencial, cada vez mais são os que se perguntam para que serve serem amados até ao paroxismo se daí não resulta nada que melhore o seu destino e o futuro dos seus filhos e netos.
Incapaz de viver com críticas, rejeições e abandonos, Marcelo reforçou a navegação nas ondas populistas, como no tema das incompatibilidades, passou a criticar PS e PSD para agradar aos descontentes de todo o lado, e o Palácio de Belém cada vez diz mais que é apenas a “bolha mediática” de políticos e comentadores que não está com ele, pois o povo não o abandona.
Ou seja, assustado e infeliz, Marcelo instalou-se na lógica do “nós” e dos “eles”, do povo ao lado do rei contra as elites, numa palavra passou a cavalgar sem limites o populismo.
Assim isto pode acabar mal.
Mas há solução: Basta que o Presidente use a sua inteligência para mandar calar Marcelo, que respire fundo, que sossegue e tente dormir bem, e sobretudo não tenha medo de deixar de ser amado.
Com isso passaria a preocupar-se menos com sondagens e mais com o futuro de Portugal e dos portugueses. E os portugueses – amados ou não – ficariam gratos.
COSTA, O LUIS DE MATOS DA POLÍTICA
E no outro canto do ringue, está António Costa. Os últimos tempos foram muito difíceis para o Primeiro-Ministro e isso refletiu-se nas sondagens, como referi em 4 de outubro.
Sendo muito diferente de Marcelo, reagiu de outro modo: virou decididamente no sentido do Centro ou até da Direita, chegou a acordo com as associações empresariais que ficaram deliciadas mesmo sem gostar dele, avançou com um Orçamento que até o PSD poderia propor, continuou a distribuir dinheiro a tudo o que se mexe (ou ao menos a dizer que o fará).
Quando estava aflito, aproveitou de imediato o passo em falso do Presidente e - porque se não pode desperdiçar uma oportunidade destas – veio pôr a mão protetora por cima do Presidente.
Desta vez foi muito mais do que um chapéu de chuva, como há seis anos.
Agora foi também mais do que um abraço de urso, foi realçar ainda mais o erro de Marcelo e com isso passar a mensagem de que é o PS quem protege o Presidente, o que apenas serviu para fragilizá-lo ainda mais.
Isto é, realmente, António Costa no seu melhor. Não há problema ou dificuldade que o abale, pois com a maior das tranquilidades – e usando a força da máquina de comunicação do Governo – transforma fracassos em grandes sucessos como aconteceu por estes dias com o gasoduto de Barcelona a Marselha.
Passados 3 semanas, quem chegasse de fora, como eu, pensaria que o Governo está de pedra e cal, que Costa driblou tudo o que havia para driblar, marcou mais golos do que Haaland (ou Ronaldo no passado) e – sobretudo – que não tem culpa de nada do que nos está a acontecer.
Onde Marcelo sofre com medo de que não gostemos dele, António sofre apenas com receio de que não nos consiga convencer que é o Governo que está entre nós e a tragédia e que duvidemos que já tratou disso e que vai correr tudo bem. Mas no fundo ele nunca duvida que consegue e isso cria uma convicção que parece verdadeira.
Há um problema, claro: a realidade.
A inflação não dá sinais de parar, a carestia cresce, a recessão está aí, o desemprego e as dívidas da classe média aos bancos estão ao virar da esquina, a perda de poder de compra é inevitável, como o serão a crise financeira das empresas, os despedimentos e as insolvências.
António Costa, o “Luís de Matos da Política”, vai continuar a tentar iludir-nos com coelhos, pombas, mulheres cortadas ao meio, baralhos de cartas. Mas temo que acabe por lhe acontecer como na velha história da criança que gritou “o Rei vai nu” e, de um momento para o outro, todos se venham finalmente a disso se aperceber.
O ELOGIO
Não se percebe – pelo menos eu ainda não percebi – o que levou Cotrim de Figueiredo a afastar-se da liderança da Iniciativa Liberal.
Mas merece elogio pelo que fez desde que se tornou conhecido dos portugueses ao ser eleito como único deputado do IL há 3 anos.
Não sei o que ele vai fazer com o prestígio que acumulou (há três semanas era o único líder partidário com imagem positiva), mas só espero que se não queira tornar num Tio Patinhas ou num Luís de Matos…
LER O MELHOR REMÉDIO
Sugiro hoje – como se fossem prendas de Natal - cinco livros de ou sobre pessoas de que sou amigo e/ou que estimo e admiro.
Assim:
- “Crónicas sobre o Douro… e outros Temas”, de Luís Braga da Cruz, o grande defensor da Regionalização e do Douro/Trás-os-Montes;
- “António Sousa Franco e a Liberdade de Educação”, obra organizada pela Associação Portuguesa de Escolas Católicas que é muita oportuna perante a cruzada contra a liberdade de educação a que assistimos e que sofremos;
- “O Palácio do Vento e o Palácio de S. Bento”, recolha de bem-humoradas crónicas de Pinho Cardão sobre os anos de governo de António Costa;
- “Gaveta de Reformas”, do grande teórico do SNS, António Correia de Campos;
- A biografia de Pedro Luz, “Um Homem 4 Vidas”, de Rita Delgado, sobre o fascinante empresário que foi decisivo na restauração e outras áreas em Lisboa.
A PERGUNTA SEM RESPOSTA
No meio do emaranhado de notícias e de efeitos da estratégia de comunicação do Governo, muito passa despercebido.
No passado dia 15, o Público referia que mães portuguesas que emigraram recentemente têm 20% do total de bebés nascidos em Portugal e que em cada ano emigram mais de 80 000 portugueses, 70% dos quais com menos de 39 anos.
Será que o Governo pode explicar a razão disso? Ou a culpa continua a ser de Passos Coelho?
A LOUCURA MANSA
Anda por aí o senhor, que surge na foto, que foi nomeado pelo Governo como responsável pelo “projeto piloto” de preparar a semana de trabalho de 4 dias em Portugal e que anda a promovê-la defendendo que isso será excelente para a “indústria do ócio”.
Ele já anunciou que isso tem de ser conseguido sem aumento de horas de trabalho diário nem com redução da remuneração; ou seja, no Estado passar-se-ia a trabalhar 28 horas com o mesmo ordenado e com redução de 20% do tempo disponível para os cidadãos terem as respostas de que necessitam.
Com o Mundo em que estamos a viver, não se podiam lembrar de nada melhor para nos atirar poeira para os olhos, pois não?
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