Pensei escrever, esta semana, um artigo com o seguinte título: Portugal precisa de um novo Governo e de um novo Presidente da República. Por esta ordem.
Os argumentos seriam, basicamente, os seguintes: o Sr. Presidente escusa de lançar um tema antes do tempo, instrumentalizando quem verdadeiramente nunca apoiou, para se isentar das responsabilidades que tem no estado em que está o país, só porque agora lhe convém; porque antes das presidenciais temos legislativas, e há que respeitar o calendário eleitoral; e, porque, sendo importante a Presidência, é o Governo que mais afecta a vida dos portugueses.
Mas, vendo que toda a gente se comportou, qual borboleta atrás da luz, como o Presidente quis, e como o país lidou, com trágica indiferença, com a violação da Lei das incompatibilidades por parte de membros do Governo, desisto: fiquem lá com este Governo e com este Presidente da República, que elegeram com maiorias absolutas. Cada um tem o que merece, já diz o povo; e se os escolheram, agora aguentem. Mas, como eu não contribui para esta paródia, será que posso fazer um pedido? Contratem o Khaby Lame para a Presidência do Conselho de Ministros, por favor. Pode ser por ajuste directo, que assim é mais fácil e vocês já têm prática.
(Não tem problema, eu espero... Já foram ao Google? Descobriram o Khaby? Boa!)
Saliento, nesta semana que passou, dois acontecimentos, para retomar um tema antigo. Os acontecimentos? O início do pagamento dos apoios para fazer face à inflação e o debate no Parlamento sobre as incompatibilidades no Governo. O tema antigo? Como ultrapassar as ineficiências do Estado.
Não se surpreendam, os leitores que mais atentamente me lêem, por não fazer referência aos dados publicados pela Pordata, que nos dizem que quase metade dos portugueses vivem no limiar, ou abaixo desse limiar, da pobreza. A referência está aqui. Mas, lamento, esta constatação só é novidade para quem tem vivido alheado do país real.
Dizia que é o Governo que mais impacta na vida dos portugueses. Uma leitura simplista - que tradicionalmente opõe esquerda e direita - diz que mais impostos são necessários para pagar apoios sociais e financiar o Estado Social (argumento da esquerda) e que menos impostos são essenciais para dinamizar a economia, criar riqueza e dispensar tantos apoios sociais (argumento da direita). Disse simplista. Na verdade, num país onde tanta gente é tão pobre, apoios sociais é algo que não se pode dispensar; e, igualmente, se o país é pobre, crescimento económico e criação de riqueza é algo de que não se pode desistir. Como, então?
A carga fiscal violentíssima que impende sobre a sociedade portuguesa não serve só para pagar apoios sociais. Na verdade, para lá do serviço da dívida - recordo que, foi pela mão do PS, nos tempos de José Sócrates, que a dívida duplicou em percentagem do PIB - há uma máquina autocentrada, ineficaz, despesista e anacrónica, chamada Administração Pública, que sucessivos governos, com falsas promessas, têm desqualificado e mal tratado. E são as ineficiências resultantes do autocentramento, da auto-justificação, que mais nos interessam hoje, porque são as gorduras que nos entopem as veias. O Estado português - e, porque falava de gorduras e veias, peço emprestado o conceito dos biólogos Maturana e Varela - é absolutamente autopoiético: produz-se a si próprio, justifica-se a si mesmo.
Exemplo? Na semana em que o Governo começou a pagar os apoios, parece que o Ministério das Finanças exibiu excesso de escrúpulo relativamente aos IBAN a usar para fazer o depósito dos 125 euros. Compreendo: há que ter cautela, não vão os dados que têm lá há anos estarem errados. Cautela, pelos vistos acertada, como, aliás, várias queixas parecem confirmar. Mas é curioso: quando é para penhorar contas bancárias a AT não hesita, nunca se engana e raramente tem dúvidas. Ou seja: para sobreviver, para se municiar de recursos, para cobrar, não falta Estado forte. Em sentido contrário, abunda hesitação e dúvida.
Gosto da dúvida. Revela ponderação. E a ponderação revela inteligência. Onde dúvida não há, porém, é na aplicação de sanções a altas figuras do politburo socialista, como se viu esta semana no debate parlamentar sobre incompatibilidades: não há incompatibilidade nenhuma, e se alguém a vê - e basta para tal ler a lei - é porque a Lei está errada. Esta certeza, a de que nestes casos as sanções quase nunca se aplicam, é a que cidadãos, empresários e empresas nunca podem ter. A estes sobra sempre a máxima "paguem primeiro e reclamem depois".
Processos complicados, hiper-burocráticos, em organizações anacrónicas, altamente hierarquizadas, com competências próprias e delegadas sem níveis de serviço associados, geridas por gente com muita lealdade política e pouca competência de gestão é a polaroid de um Estado despesista e inimigo do país. Nepotismo, favorecimento indevido, impunidade crónica e propaganda barata, a do Estado governado pelo PS amigo dos seus militantes e simpatizantes.
Volto a Khaby Lame. Contratem-no para Presidência do Conselho de Ministros, por favor. Já! Ele, com o seu ar e o seu gesto esclarecedor, apontará a solução: paguem como cobram e simplifiquem a vida dos cidadãos e das empresas como simplificam a vida dos governantes do PS e das empresas dos seus familiares.
Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia
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