21 outubro 2022 0:08
Num país pobre, não é fácil que o jornalismo sério investigue e ponha a nu quem acusa o mundo vestindo pele de santo
21 outubro 2022 0:08
Lembro-me de ouvir “deputados sanguessugas” pela primeira vez quando Manuel Monteiro era presidente do CDS. Era o ensaio de uma direita populista, antieuropeia. Não tinha autenticidade. Aquele discurso que fez do CDS um PP foi inspirado pelo então seu ideólogo Paulo Portas por pura estratégia. A semente moralista ficou. Ainda assim, nunca apareceu, à direita, mais do que isto. A direita não admitia o nascimento da direita inconformada com Abril, não admitia racismo ou xenofobia. A direita confortava os conservadores com as suas posições antiaborto e anti-LGBTI. Mas a semente do populismo ficou. E há sempre quem preste atenção ao que colhe frutos, seja cá, seja por outras paragens. Há quem preste atenção aos momentos em que PSD e CDS foram o que não são, como quando descaracterizaram a lei da IVG ou quando tentaram referendar a vida de crianças concretas no processo legislativo da coadoção. Houve quem parasitasse a direita democrática para nela fazer crescer as agendas típicas da extrema-direita. Foi no PSD que nasceu a histeria da “ideologia de género”, a que se juntou o CDS, na cruel investida contra os jovens trans, na luta contra a educação sexual e, tudo isso, apoiado numa imprensa emergente pronta para matar o PSD como o conhecíamos e dar lugar ao Chega. Pegaram nas sementes todas. A alienação falsa no que toca aos “políticos”, os tais “sanguessugas” e as caras de um regime que se quer pintar de falhado. Num país pobre, não é fácil que o jornalismo sério investigue e ponha a nu quem acusa o mundo vestindo pele de santo. Ao mesmo tempo que o mantra antipolíticos é agora explorado e se combate pelo retorno a um conceito de família tradicional e fechado onde “escola não entra”, o mundo avança e muitos dos grupos historicamente oprimidos ganham voz e intervenção e, sobretudo, discurso. Isso foi muito evidente no que toca às pessoas racializadas. Após anos e anos de discurso dirigido às pessoas racializadas, ouvimos o discurso das pessoas racializadas. Deixou, portanto, de haver um monopólio elitista da narrativa acerca da questão racial. Não é coincidência que seja nessa emergência que a extrema-direita elege o racismo como arma principal. Em Portugal foi evidente que a nossa história específica aconselhou quem deseja somar votos pelo ódio a apostar no racismo com mais força do que em tudo o resto. Por estes dias, porque o “resto” mantém-se, a proteção legal da privacidade dos jovens trans nas escolas anda a ser “gritada” como um caso de “casas de banho”. As mulheres não escapam. O sexismo tem, de resto, comprovadamente, valor económico. Acontece que foram PSD e CDS que quebraram o consenso em matéria de IVG, como já recordei.