Opinião

A importância do silêncio em política

A importância do silêncio em política

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

Um político só deve falar quanto tem (realmente) alguma coisa útil para dizer ou qualquer pensamento relevante a partilhar. Fora dessas situações, o silêncio é virtuoso e, consequentemente, a contenção deve ser a regra

A política dos dias de hoje transformou-se numa voragem mediática, de tal sorte que, se os políticos não surgem permanentemente na esfera pública, comentando tudo e mais alguma coisa, são muitas vezes objeto de crítica, sobretudo no plano da opinião publicada, pela sua pretensa ausência ou inação. Falar transformou-se, assim, numa espécie de atestado de existência. Mas essa é uma leitura objetivamente errada. E não é por essa tendência se acentuar que devemos tê-la por adquirida e, o que é mais importante, não devemos contrariá-la.

Na política, como em todos os demais domínios, seja da vida pública, seja da existência privada, há momentos para tudo. Ou, recorrendo à célebre passagem do Eclesiastes, “Para tudo há uma ocasião certa (…), tempo de calar e tempo de falar”.

Falar demais cria, desde logo, um risco estatístico. Porque, quanto mais se fala, maior é a possibilidade de ser cometerem erros ou de se dizer aquilo que se não quer. Mas não é essa, evidentemente, a razão determinante que deve levar a refrear o ativismo mediático dos políticos. O ponto é, antes, que falar “ex abundantia” gera uma progressiva lógica de banalização daquilo que se diz. E isso tem dois riscos. Por um lado, cria fadiga nos destinatários. Por outro, desvaloriza as mensagens importantes que se pretende transmitir, perdidas que ficam na imensidão permanente das palavras proferidas.

Tenho para mim, portanto, que um político só deve falar quanto tem (realmente) alguma coisa útil para dizer ou qualquer pensamento relevante a partilhar. Fora dessas situações, o silêncio é virtuoso e, consequentemente, a contenção deve ser a regra. Mesmo que isso signifique remar contra a maré do politicamente correto. Porque aos políticos não se deve pedir, apenas, ação. Há que exigir, também, pedagogia.

Se tal postura deve orientar a intervenção de qualquer político, ela assume importância crucial no caso do Presidente da República. Porque se, no âmbito do nosso sistema político, lhe cabem relevantes poderes de fiscalização e controlo, não menos importante é a influência que pode exercer, conceito que, no plano da ciência política, é definível como a capacidade de orientar os juízos ou os comportamentos de outrem, sem recorrer à coação. E, aí, o instrumento essencial é o poder da palavra. Que, insisto, se desadequadamente utilizado se revela inútil ou, mesmo, prejudicial.

O episódio recente das declarações do Presidente da República acerca da questão dos abusos sexuais no âmbito da Igreja Católica é, creio, bem revelador dos riscos que referi. Inicialmente, o comentário que fez foi manifestamente infeliz na escolha das palavras. Depois, seguiram-se dois esclarecimentos, um por escrito e outro verbal, também eles pouco afortunados. E, por fim, o inevitável pedido de desculpas.

Mas se, na forma, as coisas não correram bem, isso não justifica, obviamente, as críticas que, à esquerda, mas também surpreendentemente à direita, foram dirigidas ao Presidente da República. Porque Marcelo Rebelo de Sousa tem uma história e um percurso que falam por si. Em que os valores do personalismo e da solidariedade têm lugar primeiro. E que ninguém de boa-fé pode por em causa, para mais com evidentes fins políticos.

E, precisamente por isso, também é censurável a tática de aproveitamento do Primeiro-Ministro, cujas palavras de (suposta) defesa do Presidente da República não passaram, julgo, de uma tentativa de condicionamento, aproveitando um momento de fragilidade deste.

Os cargos políticos têm natureza institucional. Mas são ocupados por titulares, pessoas físicas que imprimem ao seu exercício um cunho próprio. E isso não só é natural – diria até inevitável –, como nada tem de mal, desde que esses titulares se mantenham dentro do quadro dos poderes que lhe estão cometidos e orientem a sua ação pela perceção clara do lugar que lhes cabe e dos limites que lhe estão associados.

Por há muito estar presente, a vários títulos, na nossa vida coletiva, nenhum de nós pode dizer que o modo como Marcelo Rebelo de Sousa tem desempenhado o cargo presidencial é surpreendente, desde logo no que diz respeito à sua opção por uma (quase) permanente exposição pública. Porque, mais do que uma estratégia, isso é um reflexo da sua personalidade.

Ainda assim, ao longo deste segundo mandato essa linha de atuação tem vindo, na minha perspetiva, a acentuar-se exponencialmente, uma vez que Marcelo Rebelo de Sousa todos os dias fala sobre qualquer coisa (e, por vezes, até mais do que uma vez por dia ou para repetir o que já dissera).

E, se nalguns casos isso se justifica, situações há, também (e não são poucas), em que não se alcança a que título e com que objetivos o Presidente da República intervém ou se não estará, inclusive, a ir para além daquilo que o seu estatuto permite. E, como se isso não fosse bastante, fá-lo em qualquer lugar e circunstância, ignorando o formalismo e recato que a função presidencial deve, por natureza, impor, mesmo para quem, como é o caso, tem dificuldade em lidar com esses conceitos.

Em jeito de resposta às críticas, Marcelo Rebelo de Sousa veio dizer que os Portugueses conhecem o seu carácter e que não vai mudar aos setenta e quatro anos e ao sétimo ano de mandato.

Ninguém lhe pede, contudo, que mude de carácter. Nem isso seria razoável. Mas, tão só que, homem inteligente que é, compreenda que o seu estilo está a causar um certo cansaço. E que teria toda a vantagem, para ele e para nós, em abrir algum espaço ao silêncio e á contenção.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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