Em Junho deste ano o Primeiro-Ministro anunciou na CNN Portugal que “vamos ter um aumento histórico das pensões de reforma com a aplicação da fórmula que existe desde 2007”
A lei em causa, Lei n.º 53-B/2006, como explicou na SIC Notícias o ex-Ministro Vieira da Silva (“pai” da lei), está desfasada da realidade que vivemos porque “estamos numa situação excepcional de inflação muito alta (...) e de um crescimento económico alto, mas que é de recuperação da queda que tivemos aquando do Covid”. Só no final de 2022 o nosso PIB recuperará o valor que tinha em 2019.
O Primeiro-Ministro nunca deveria ter feito essa promessa desfasada da realidade e que discrimina todos os trabalhadores e famílias que sofrem igualmente ou mais com a inflação. O resultado está à vista.
O Governo vai conceder apoios e aumentos a todos os pensionistas incomparavelmente mais elevados do que aqueles que os trabalhadores e famílias vão ter, sem qualquer racional de justiça social para essa desigualdade.
Três exemplos dos apoios que vão ser pagos em Outubro:
Um(a) trabalhador(a) que ganha €800/mês receberá um apoio de 125€, se for um reformado com o mesmo valor de pensão, receberá €400, mais do triplo.
Um(a) trabalhador(a) com 1 filho a cargo que ganhe €1500/mês receberá €175. Se for um reformado que ganhe o mesmo, receberá €750, mais do triplo que o trabalhador com igual rendimento.
E se é justo um trabalhador que ganhe mais de €2700/mês não receba o apoio de €125 (os apoios devem concentrar-se em quem mais precisa), porque razão se for um reformado com o mesmo rendimento já recebe um apoio de 50% do valor da sua pensão, 10 vezes a 20 vezes mais que os 125€ que recebem os trabalhadores com rendimentos muito inferiores?
Mas mais injustiça e desigualdade vem a caminho. A aplicação da fórmula requer também o já anunciado aumento entre os 4,43% e os 3,53% das pensões em 2023.
Já os funcionários públicos, como foi proposto esta semana pelo governo, terão um aumento entre 8% para as remunerações mais baixas, e 2% para os rendimentos a partir de 2.570,82 euros.
Se faz todo o sentido os aumentos serem progressivos como explicou a Ministra da Presidência Mariana Silva “o aumento dos preços afeta sobretudo os trabalhadores com salários mais baixos”, porque não se aplicou este princípio basilar para as pensões?
Os pensionistas que ganhem mais de €1300 vão ver a sua pensão aumentada em 4%, o que corresponderá a um aumento superior aos dos trabalhadores da função pública com o mesmo rendimento, quando estes têm provavelmente filhos a cargo, empréstimo para pagar e por isso, são muito mais afetados pela inflação que um pensionista.
E se é defensável que um trabalhador da função pública que ganhe €2600 seja aumentado em 2023 em apenas €52 (2%), não faz qualquer sentido que um reformado da função pública com uma pensão de €2600 seja aumentado no dobro do trabalhador, isto é €104 (4%). E relembro, neste mês, este trabalhador recebeu uma ajuda de €125 enquanto o pensionista de €1300, 10 vezes mais!
Esta desigualdade nos apoios e aumentos é incompreensível, socialmente injusta e penalizadora para os funcionários públicos e todos os trabalhadores do privado.
Se a realidade que vivemos exige prudência nos apoios e aumentos dos rendimentos como o ex-Ministro Vieira da Silva e muitos economistas defendem, então que essa prudência seja aplicada com igualdade entre pensionistas e trabalhadores, e não menos a uns e mais a outros.
Se para tal é necessário suspender ou mudar a Lei n.º 53-B/2006, então é isso que deve ser feito e explicado a todos os Portugueses.
Last but nor least, é necessário mudar esta forma de tomar decisões políticas na segurança social. Se a decisão de localização e investimento do novo aeroporto exige inúmeros estudos e consenso entre os principais partidos, alterar os valores das pensões exige ainda mais estudos e consensos.
A despesa com pensões vale quase 20 mil milhões de euros por ano do Orçamento do Estado (vários aeroportos por ano), e quaisquer alterações têm impactos significativos e duradouros no sistema.
E no entanto, a tentação de mexer nas pensões para ganhos políticos é quase irresistível para muitos Primeiros-Ministros. Se houvesse dúvidas deixo dois exemplos:
Em 1990 o Primeiro-Ministro Cavaco Silva “ofereceu” o 14º mês (subsídio de férias!) a todos os pensionistas. Um ano depois ganhou as eleições legislativas com 50% dos votos.
Em 2022 o Primeiro-Ministro António Costa prometeu mais €10 por mês em todas as reformas até €1000 Euros. Logo a seguir ganhou as eleições legislativas com maioria absoluta.
Todas estas decisões “populares” de aumentar rendimentos dos pensionistas sem critérios de equilíbrio e justiça intergeracional, põem em causa o futuro dos trabalhadores, das suas famílias e dos jovens, que vão ter de suportar os custos adicionais do sistema, bem como verem a sua idade de reforma prolongar-se indefinidamente.
Está na altura de mudar esta forma de gerir as pensões de reforma. PS e PSD e demais partidos têm o dever absoluto de o fazer, com verdade, transparência, rigor nos números, e no final, com um consenso alargado e duradouro.
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