Opinião

As sondagens acertam. A realidade é que se engana

As sondagens acertam. A realidade é que se engana

António Filipe

Membro do Comité Central do PCP e professor universitário

A partir de sondagens que, quando confrontadas com resultados eleitorais reais se revelam totalmente falaciosas, há quem insista em basear a análise da vida política numa realidade virtual feita à medida da narrativa que lhe convém construir

Vejamos o que se passou no Brasil na recente primeira volta das eleições presidenciais:

As sondagens apontavam para a possibilidade da vitória de Lula da Silva à primeira volta e foi esse o cenário a partir do qual foram analisados os resultados eleitorais.

À partida, esse seria um resultado historicamente improvável. Desde a introdução das eleições diretas em 1989, nunca um Presidente recandidato foi derrotado. Fernando Henrique Cardoso foi eleito em 1994 e reeleito em 1998. Lula da Silva foi eleito em 2002 e reeleito em 2006. Dilma Rousseff foi eleita em 2010 e reeleita em 2014. Derrotar Bolsonaro, a ocorrer, será um feito histórico. Será muito provável à segunda volta, a avaliar, não por sondagens, mas pelos resultados da primeira volta. Derrotar um presidente em funções que se recandidata, na primeira volta, seria sempre um feito improvável.

Contados os votos, Lula da Silva obteve a maior votação que alguma vez algum candidato obteve à primeira volta. 57 milhões, 259 mil, 504 votos, correspondentes a 48,43 %.

O mesmo Lula da Silva em 2002 obteve 39 milhões e 455 mil (46,44 %) e em 2006 obteve 46 milhões e 662 mil (48,61 %). A segunda maior votação à primeira volta foi a de Bolsonaro em 2018 com 49 milhões e 276 mil votos, correspondentes a 46,03 %.

Assim, Lula da Silva não só teve a maior votação de sempre de um candidato à primeira volta, se excetuarmos a reeleição de Fernando Henrique Cardoso em 1998 que em termos percentuais obteve 53 %, mas teve muito menos votos (33 milhões e 936 mil), como suplantou um Presidente recandidato por uma diferença de 6 187 159 votos.

Porém, a leitura mediática dominante foi a de que Lula obteve uma vitória amarga, que ficou aquém do que se esperava e que Bolsonaro surpreendeu, ficando tudo em aberto para a segunda volta.

Ou seja, a derrota das sondagens não foi atribuída às próprias, mas ao candidato vencedor, que não foi tão vencedor como as sondagens proclamavam. Assim, a comunicação social considerou uma vitória histórica de Lula como uma meio derrota e uma derrota histórica de Bolsonaro como uma meia vitória, tendo como referência sondagens que se revelaram erradas.

Lula da Silva tem fortes possibilidades de ser eleito presidente, pelo resultado que obteve, pelo apoio já recebido dos outros candidatos melhor posicionados (Simone Tebet e Ciro Gomes), pela rejeição a Bolsonaro, pela campanha que fizer, mas não pelas sondagens, porque estas não votam. E está sempre tudo em aberto porque não há eleições ganhas antes da contagem dos votos.

O caso das eleições legislativas em Portugal em 30 de janeiro de 2022 ficará como um exemplo de escola da forma como a manipulação de sondagens falaciosas pode influenciar o comportamento dos eleitores e consequentemente os resultados eleitorais.

Todas as sondagens, pela leitura que delas faziam os principais órgãos de comunicação social, apontavam para um “empate técnico” entre o PS e o PSD. Foi esse o cenário com que os eleitores portugueses foram bombardeados pelos media durante toda a campanha eleitoral e foi esse o cenário que serviu de pano de fundo de todos os debates entre os comentadores (que tiveram mais tempo de antena que os debates entre os próprios candidatos). Contados os votos, ficámos a saber que a diferença entre o PS e o PSD foi de 13,7 pontos percentuais. O “empate técnico” traduziu-se em 762 698 votos de diferença.

A dramatização do “empate técnico” convinha tanto ao PS como ao PSD. A este último, receoso da derrota, convinha animar as hostes tentando mobilizar com a possibilidade de uma vitória. Ao primeiro, convinha assustar os eleitores com a possibilidade da vitória da direita para procurar captar votos à sua esquerda.

Como sabemos, a dramatização encenada pelo PS saiu vencedora. Não só conseguiu culpar os partidos à sua esquerda por uma crise política que provocou intencionalmente para poder governar sem “empecilhos”, como beneficiou do cenário virtual criado pela hipótese de uma vitória da direita induzida pelo “empate técnico” que as sondagens revelavam.

Poucos dias depois das eleições, Luís Paixão Martins, um dos mais proeminentes técnicos de comunicação eleitoral, afirmava numa entrevista que “nunca houve empate nenhum”, tendo essa ideia sido induzida pelos meios de comunicação social através de uma leitura falaciosa dos dados das próprias sondagens.

Em conclusão: as sondagens foram usadas para manipular os eleitores e os resultados eleitorais podem ter sido decisivamente influenciados por essa manipulação.

Só que os resultados das eleições foram os que foram, em consequência desses resultados o Governo é o que é, e as consequências disso na governação do país são as que já estamos a ver.

Claro que para quem vendeu ao país a ideia do “empate técnico” com base em sondagens, tudo está certo. A sua realização assenta em bases científicas e a sua apreciação assenta em critérios jornalísticos inssindicáveis. Contados os votos, as sondagens podem espalhar-se ao comprido e errar um elefante a um metro de distância, mas no dia seguinte voltam a ser o cenário sobre que há de assentar o essencial da análise política e da opinião publicada. Ainda que tudo isso se baseie num mundo virtual, pouco importa. As sondagens estão sempre certas. Se a realidade se engana, tanto pior para ela.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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