Opinião

A novela da TAP

A novela da TAP

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

O Governo fez tudo mal. Reverteu, sem sentido, a privatização. Nacionalizou, desnecessariamente, a empresa. E, agora, mostra-se disponível para apresentar aos cidadãos a eventual conta de todos esses desmandos

Todos estamos recordados que o verbo reverter foi central no vocabulário (e na prática política) dos Governos da geringonça. Obsessivamente, era preciso mudar aquilo que o Executivo anterior tinha feito. Não porque estivesse mal, mas tão só porque tinha essa marca. E, nesse contexto, a TAP era um dos objectivos principais.

Depois de anos e anos de prejuízos, que os contribuintes tiveram de suportar, a privatização (parcial) da transportadora aérea veio a ocorrer em 2015. E, é essencial sublinhá-lo, resultou do cumprimento dos compromissos subscritos pelo Governo socialista chefiado por José Sócrates.

Os socialistas – e a esquerda de um modo geral – têm uma certa tendência para eludir os factos históricos que lhes não dão jeito e para atribuir aos outros as responsabilidades que são suas. Por isso, para que não restem quaisquer dúvidas, reproduzo o ponto 3.31. do Memorando de Entendimento, datado de 17 de Maio de 2011:

“O Governo acelerará o programa de privatizações. O plano existente para o período que decorre até 2013 abrange transportes (Aeroportos de Portugal, TAP, e a CP Carga), energia (GALP, EDP, e REN), comunicações (Correios de Portugal), e seguros (Caixa Seguros), bem como uma série de empresas de menor dimensão.

O plano tem como objectivo uma antecipação de receitas de cerca de 5,5 mil milhões de euros até ao final do programa, apenas com alienação parcial prevista para todas as empresas de maior dimensão.

O Governo compromete-se a ir ainda mais longe, prosseguindo uma alienação acelerada da totalidade das acções na EDP e na REN, e tem a expectativa que as condições do mercado venham a permitir a venda destas duas empresas, bem como da TAP, até ao final de 2011”.

Mais claro, não podia ser. O Governo socialista, não só reafirmava o plano, que já tinha, de privatização da TAP até 2013, como se comprometia a ir mais longe, apontando para antecipar esse processo para o próprio ano de celebração do Memorando.

Chegados ao poder, os socialistas esqueceram-se convenientemente deste facto, culparam o Governo anterior e anunciaram a decisão de o Estado retomar a maioria do capital da empresa (o que, apesar de tudo, não satisfez Bloco de Esquerda e PCP, de cuja cartilha ideológica fazia parte, e continua a fazer, a sua nacionalização total).

Contudo, e como tantas vezes sucede com o PS, “entradas de leão, saídas de sendeiro”. E a pretensão de maioria do capital reduziu-se a uma percentagem de 50% do mesmo. Com uma particularidade: dono de apenas metade, o Estado assumia as correspondentes responsabilidades financeiras, mas deixava a gestão operacional nas mãos dos accionistas privados. Que raio de negócio!

Entretanto, veio a pandemia e a redução, praticamente a zero, do tráfego aéreo. Excelente argumento para os socialistas avançarem, finalmente, com o seu plano de nacionalização. Primeiro com a aquisição das acções de um dos privados e, mais tarde, com um aumento de capital social. Finalmente, a TAP era 100% do Estado!

A solução era, evidentemente desnecessária. Como o demonstra o facto de, em muitos outros países, se ter optado por caminhos alternativos bem mais razoáveis, como a injecção de capital, a concessão de garantias públicas ou, até, a compra de acções pelo Estado, mas numa posição minoritária.

Mas o que interessa o que todos esses fizeram? Nada, porque nós – e por nós refiro-me aos socialistas – é que sabemos!

Resumindo: no total, estamos a falar em cerca de 3,2 mil milhões de euros de ajudas públicas, cerca de mil milhões dos quais ainda no Orçamento do corrente ano. Um encargo que é, proporcionalmente, muito superior ao que foi assumido por Estados europeus com capacidade financeira significativamente superior. E tudo em nome de um suposto interesse estratégico em manter uma companhia “de bandeira”, cujo desempenho deixa muito a desejar e que se tem mostrado incapaz de servir adequadamente várias regiões do País (entre as quis destaco o Porto e a Madeira).

Mas a novela ainda não acabou. De supetão, no debate parlamentar da passada quinta-feira, António Costa anunciou que o Governo tem a intenção de, nos próximos doze meses, privatizar de novo a TAP.

Os termos do negócio não são conhecidos, ignorando-se, portanto, se em causa está o regresso aos 50% ou se se irá mais longe na venda. Embora me pareça que nenhum interessado estará disponível para aceitar uma posição de paridade com um Executivo tão errático…

Uma coisa ficou, porém, clara. O Primeiro-Ministro está disponível para aceitar uma solução que envolva prejuízos para o Estado. Dito de outra forma: os contribuintes – uma vez mais – poderão perder dinheiro. Quão distante fica do exemplo da Alemanha, que alienou os 20% de acções – sublinho, 20% - da Lufthansa que tinha adquirido com um lucro de 760 milhões de euros…

Ou seja: o Governo fez tudo mal. Reverteu, sem sentido, a privatização. Nacionalizou, desnecessariamente, a empresa. E, agora, mostra-se disponível para apresentar aos cidadãos a eventual conta de todos esses desmandos.

Acertadamente, Luís Montenegro não hesitou em qualificar o que foi (e está a ser) feito na TAP como um crime político e financeiro. E, também muito apropriadamente, acusou os socialistas de estarem a brincar à governação.

Pergunto: não poderiam ir brincar a outras coisas e para outros sítios? Eu agradecia. E creio que muitos outros Portugueses também.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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