Virar o voto para restaurar a esperança
Tudo indica que a polarização se acentuará e que a recuperação económica do país poderá ser o argumento determinante na hora de eleger o próximo presidente do Brasil
João Albuquerque, eurodeputado do Partido Socialista
Tudo indica que a polarização se acentuará e que a recuperação económica do país poderá ser o argumento determinante na hora de eleger o próximo presidente do Brasil
É difícil dissociar o Brasil de 2022 dos Estados Unidos da América de 2020. A comparação entre a situação política dos dois gigantes do continente americano não é um exercício meramente retórico ou do domínio da propaganda política. Na verdade, os dois protagonistas incumbentes, Trump e Bolsonaro, mostraram por diversas vezes admiração mútua e o presidente brasileiro não se coibiu de utilizar um discurso muito semelhante ao do seu ex- homólogo norte-americano. Ambos começaram a preparar a sua reeleição com base no lançamento reiterado de suspeitas sobre a legitimidade dos resultados eleitorais, deixando vários alertas para a possibilidade de fraude eleitoral perpetrada pelos seus opositores.
O resultado destas graves insinuações por parte de Bolsonaro no Brasil, à semelhança do que aconteceu no início de 2021 nos EUA, é a criação de um clima de enorme suspeita sobre o regular funcionamento das instituições e o aumento da polarização política entre o atual presidente e Lula da Silva, seu principal opositor. De facto, de acordo com uma pesquisa inédita realizada pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 67,5% dos entrevistados afirmam ter medo de serem agredidos por causa da sua escolha política ou partidária.
Este clima de enorme tensão política e social terá contribuído para diminuir a distância entre Lula e Bolsonaro, contrariando a quase totalidade das sondagens pré-eleitorais. Na verdade, a eleição de vários apoiantes próximos de Bolsonaro para governadores estaduais e para as duas câmaras do Congresso, demonstra que não obstante a vitória de Lula no primeiro turno, o Bolsonarismo - tal como o Trumpismo - não saiu totalmente derrotado. Um dos casos mais paradigmáticos da influência do ainda presidente brasileiro é a eleição do ex-Ministro da Saúde durante o período crítico da pandemia, General Eduardo Pazzuelo, como deputado federal pelo Rio de Janeiro, sendo que o Brasil regista o segundo número mais elevado de mortes no mundo por causa da Covid-19, com quase 700 mil mortes, precisamente atrás dos EUA.
Para gáudio de Bolsonaro e seus apoiantes, esta polarização política parece ter sido suficiente para fazer esquecer os terríveis resultados socioeconómicos das suas políticas. De acordo com o “Global Wealth Report” de 2022, do Crédit Suisse, a riqueza do 1% mais rico do Brasil aumentou 5 pontos percentuais, ao contrário do que aconteceu nos seus vizinhos Chile e México, por exemplo. Adicionalmente, com Bolsonaro, o Brasil acentuou a sua posição como um dos países mais desiguais do mundo. Mas não ignorando totalmente a realidade do país que governa, Bolsonaro acabou por lançar, recentemente, um conjunto de programas destinados ao combate à pobreza e de apoios sociais - procurando capitalizar, em simultâneo, a retoma económica que o país parece registar no período pós-pandémico.
É neste contexto que acontecerá a segunda volta destas eleições presidenciais. Tudo indica que a polarização se acentuará e que a recuperação económica do país poderá ser o argumento determinante na hora de eleger o próximo presidente do Brasil. Para quem acompanha deste lado do Atlântico, a expectativa não podia ser maior. Mas, estou em crer, a esperança de todos aqueles que desejam o restauro da normalidade democrática no Brasil, bem como das relações entre a UE e o gigante sul americano, só pode ser que, no fim deste mês, os brasileiros virem o voto e o destino de Bolsonaro se cruze, então, com o do seu ídolo do hemisfério norte.
João Albuquerque é Deputado ao Parlamento Europeu pelo Partido Socialista e membro da Delegação para as relações com o Brasil
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