Opinião

O resto

23 setembro 2022 0:07

Não se vislumbra racionalidade nem viabilidade numa política de compressão de rendimentos

23 setembro 2022 0:07

É um eufemismo dizer-se que a subida das taxas de juro para travar a inflação “pode causar recessão.” A experiência dos anos 80 sugere que o que trava a inflação é justamente a recessão, geralmente funda e, com sorte, relativamente breve. Se a inflação ocorre em resultado de um choque do lado da oferta (escassez e carestia da energia), menos se compreendem as virtualidades de uma solução para o problema assente no retraimento da procura. Faltando ainda conhecer a política orçamental para 2023, o parceiro crítico de qualquer política monetária anti-inflacionista. Ora, a procura, em países como o nosso, que vivem em estado de austeridade perpétua, só podia alimentar a temida “espiral inflacionista” se os salários crescessem. Sucede que por cá, como é do conhecimento geral, os salários não tendem para o crescimento, a menos que a subida ocorra por decisão política, como sucede com o salário mínimo. Portanto, a não subida dos salários em linha com a inflação corresponde, evidentemente, a uma perda de rendimentos do trabalho e, portanto, da escanzelada procura correspondente. Por outras palavras, se o empobrecimento conduzir a um retraimento da procura de energia de tal magnitude que passemos a aquecer as nossas casas com sobro e azinho, e nos desloquemos com recurso à tração animal, é natural que um tal choque do lado da procura faça cair os preços do gás, eletricidade e gasóleo.