Opinião

Coldplay: o jogo frio do combate à inflação

A Europa lida com este cenário como Costa dança: de forma atabalhoada, sem aparente sentido e como que meio congelado. O impacto da inflação em países como Portugal é mais violento do que em países mais ricos. Portugal aumentou, em 2020, em 18,4% o risco de pobreza. E depois da pandemia passou a ser o 8.º país europeu com maior risco de pobreza ou exclusão social, com 230.000 novos pobres

Costa é hoje um dos líderes mais influentes da União Europeia: se não de facto, de fato. Já o viram nas vestes de dançarino? Esqueçam a Sanna Marin, para nossa infelicidade é Costa que marca o passo europeu. Mas não se iludam: a lembrança de Costa a dançar em Cabo Verde não é achincalho, é metáfora.

A Europa pós-pandémica, em guerra, com inflação e ameaçada pela estagnação económica (para dizer o mínimo) lida com este cenário como Costa dança: de forma atabalhoada, sem aparente sentido e como que meio congelado.

Ora, então, "bamoláber". Em abstracto, a inflação pode ser de dois tipos: monetária e não-monetária. Eu sei que os economistas não gostam de colocar as coisas nestes termos, e que esta formulação é um pouco vaga e imprecisa. Mas, como dizia o outro: prefiro ser vago e correto do que preciso e errado. A primeira, significa que o dinheiro desvaloriza tanto que leva a um aumento dos preços, e isso traduz-se num problema do lado da procura; a segunda, menos a ver com a desvalorização do dinheiro, tem o problema radicado do lado da oferta, como quando ocorre, por exemplo, um problema nas cadeias de distribuição.

Na prática, esta crise inflacionista que assola a Europa é um híbrido: o euro desvalorizou continuadamente face ao dólar no último ano, é certo, mas o seu principal motor foram as disrupções das cadeias de distribuição (efeito da pandemia) e o aumento dos custos de energia (efeito da guerra). Energia essa que, ainda por cima, tem um efeito de aumento de preços, a montante, em todas as cadeias de produção e de distribuição. A mesma energia que, com o Inverno à espreita, é essencial para que não se congele, sobretudo nos países do norte da Europa.

E se é verdade que a doutrina manda - e o BCE pouco mais pode - subir as taxas de juros para contrariar a inflação - dinheiro mais caro, menos procura -, a prática mostra que isso tem um efeito muito limitado na oferta.

E o que é que de uma forma geral tem sido feito na Europa? Aumentar as taxas de juro (BCE) e helicopter money sobre a economia (Estados), como os 125 euros para ajudar a comprar um bilhete dos Coldplay no mercado negro. O problema é que, por mais agradável que esse dinheiro possa parecer a uma parte significativa da população, a satisfação dura pouco e o aumento do dinheiro circulante tem um efeito precisamente contrário ao desejado: estimular a procura e aumentar a inflação. O primeiro, que é dramático para países onde o endividamento é grande - designadamente com crédito à habitação -, é aumentar drasticamente as despesas fixas essenciais. O segundo, que se fará sentir mais à frente, traz consigo um risco estrutural: desinvestimento e arrefecimento, ainda maior, da economia. Uma economia que, na Europa, há muitos anos corre atrás do prejuízo.

Nesta mistura explosiva, não há como não recordar a Lei de Engel: quanto mais pobre é uma família, maior a percentagem do orçamento gasta em alimentação. E, com isso, ter noção de como o impacto da inflação em países como Portugal é mais violento do que em países mais ricos. Portugal aumentou, em 2020, em 18,4% o risco de pobreza. E depois da pandemia passou a ser o 8º país europeu com maior risco de pobreza ou exclusão social, com 230.000 novos pobres.

Então, o que é que os Estados europeus - e Portugal com mais afinco - deveriam fazer? Baixar impostos. E, no caso do IVA, com especial incidência nos bens essenciais. Mas não é só. Para lá disso, há que estancar a sangria nas outras despesas, mitigando em favor do consumidor, e sem prejudicar demasiado o mercado, o impacto da inflação nas despesas fixas e essenciais: habitação, alimentação, saúde e educação. Subsidiando, se necessário for.

Eu sei, eu sei, o estimado leitor mais atento estranha. Imagina-me, talvez, a cantar, de punho erguido, Sérgio Godinho: o pão, habitação, saúde, educação. Não tanto, mas, perdoem-me, tudo isto me parece melhor do que ver Costa a dançar este jogo frio.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas