Strasbourg calling
Oficialmente terminadas as férias de verão, a locomotiva da democracia europeia arranca em força esta semana
Jurista, conselheira no Grupo S&D do Parlamento Europeu
Oficialmente terminadas as férias de verão, a locomotiva da democracia europeia arranca em força esta semana
O comboio Thalys que faz a ligação Bruxelas-Estrasburgo todos os meses seguia cheio esta passada segunda-feira, tal como a agenda que precedia esta primeira sessão plenária do Parlamento Europeu depois da pausa estival. Mas há ainda um outro acontecimento que marca a sessão plenária de setembro: hoje, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, dirigiu-se aos deputados e deputadas europeus com um discurso sobre o estado da União. Em resumo, o discurso faz um balanço do trabalho do ano anterior e sublinha as prioridades para o ano seguinte.
Nos documentos previamente publicados pela Comissão, são quatro os tipos de medidas apresentadas enquanto conquistas em relação ao ano de 2021-2022: as de solidariedade para com a Ucrânia, as de combate à pandemia, as de recuperação e resiliência no contexto das transições verde e digital e as de reforço e proteção do Estado de Direito e da liberdade de expressão.
Este elenco demonstra como as políticas da União ao longo deste mandato têm sido, em larga medida, desenhadas enquanto reações a eventos geopolíticos causados por atores externos e emergências públicas ou enquanto correções da sua própria dinâmica institucional. Pense-se, apenas no contexto do último ano, na criação da Autoridade de Preparação e Resposta a Emergências de Saúde Pública e da Agência Europeia de Medicamentos, na adoção de diversos pacotes de sanções contra a Rússia e do plano REPower EU, que visa alcançar a independência energética da União até 2027, ou na apresentação de propostas de medidas de proteção de jornalistas quanto a um número crescente de ataques contra os meios de comunicação em diferentes Estados-Membros.
Isto não as torna menos válidas ou bem-sucedidas, mas explica o porquê de muito provavelmente virem a influenciar futuras mudanças no que diz respeito às prerrogativas da União, um projeto cuja sustentabilidade depende da sua capacidade de adaptação.
Se, por um lado, os desenvolvimentos dos últimos anos obrigaram os políticos e burocratas europeus a repensar ou ajustar as suas prioridades, por outro lado deram igualmente um impulso positivo à necessidade de mudar aspetos como, por exemplo, o direito ainda indireto de iniciativa legislativa do Parlamento Europeu ou a unanimidade exigida no Conselho da União Europeia para tomar decisões em áreas estratégicas como a política fiscal de tributação, as políticas de ação externa e defesa ou a política de segurança e proteção social.
Em qualquer dos casos, o ciclo de políticas europeias dos últimos três anos demonstra o valor acrescentado da União, nomeadamente por ter sido o resultado de consensos que, embora difíceis, sublinham uma escolha da parte dos Estados-Membros, em particular a da força da maioria e até mesmo unanimidade em vez da vulnerabilidade da soberania individual em tempos de desafios globais extraordinários. O discurso de hoje parece indicar isso mesmo.
É com este pano de fundo que Bruxelas se debruça novamente sobre as muitas propostas legislativas e políticas que tem para concluir até finais de 2023. Entre elas, a proposta de Diretiva para proteger os direitos dos trabalhadores das plataformas digitais, a proposta de Regulamento sobre circuitos integrados para fazer face a crises de escassez de semicondutores e reforçar a liderança tecnológica da Europa ou a proposta de Diretiva relativa ao dever de diligência das empresas e à responsabilidade empresarial cujo propósito é garantir um modelo de conduta empresarial responsável e uma resposta a riscos atuais e potenciais em matérias de direito humanos, ambiente e governação.
O prazo que corre importa a todos porque implica deixar ao dispor dos cidadãos e da economia europeia salvaguardas e instrumentos já em vigor no ordenamento jurídico europeu, independentemente de oscilações eleitorais ou constelações governamentais, mas importa sobretudo para os atuais eurodeputados e eurodeputadas.
Dentro do próximo ano e meio que antecede as eleições europeias de 2024, devem mostrar trabalho feito nos seus círculos eleitorais - não só com vista a uma possível reeleição, mas também para poderem efetivamente cumprir a missão a que implicitamente se propuseram em 2019: aproximar a Europa dos que lhes deram legitimidade democrática para os representar e usar o seu mandato de representação para produzir melhorias concretas nas vidas dos mesmos.
Um bom exemplo recente é a adoção da Diretiva dos Salários Mínimos, uma medida-chave do plano de ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais apresentado na Cimeira Social realizada no Porto em maio de 2021 organizada pela então Presidência portuguesa do Conselho.
O debate desta quarta-feira foi, portanto, uma nova oportunidade para questionar a Comissão sobre as suas escolhas executivas e de reorientar a sua ação de acordo com a vontade e visão do Parlamento, com todas as suas variantes políticas. Metamos, pois, mãos à obra. Estrasburgo chama-nos a fazê-lo.
*As opiniões expressas neste artigo são estritamente pessoais e não representam as posições do Parlamento Europeu ou do grupo S&D
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