Opinião

A palavra é de prata, o silêncio é de ouro

A palavra é de prata, o silêncio é de ouro

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

Em matéria de comunicação política, a regra é que só se deve falar quando se tem alguma coisa de concreto para dizer

A propósito da entrevista concedida, na passada segunda-feira, por António Costa, veio-me à ideia o conhecido o provérbio “a palavra é de prata, o silêncio é de ouro”. Um provérbio cujo significado, em termos simples, é o de que se há momentos em que exprimir algo é importante, noutros a discrição e a contenção é-o ainda mais. O que, em matéria de comunicação política, se traduz na regra de que só se deve falar quando se tem alguma coisa de concreto para dizer.

O anúncio, pelo Governo, do conjunto de medidas destinadas a minorar os efeitos da inflação, não teve – longe disso – o efeito positivo esperado. E, vai daí, o Primeiro-Ministro e os seus consultores de comunicação terão entendido que valia a pena tentar emendar a mão, aproveitando o habitual jeito mediático daquele. Ora, o mínimo que se poderá dizer é que as coisas não lhes correram de feição.

Desde logo, no plano da imagem projectada. Porque o tradicional à vontade perante as câmaras deu lugar a uma atitude defensiva, evidenciando que António Costa tem falta de jogo de cintura perante dificuldades graves como aquelas com que agora se defronta.

Mas, muito mais importante do que isso foi o conteúdo – ou a falta dele – da entrevista. As contradições em que se enredou. As omissões que evidenciou. A incapacidade de transmitir uma mensagem política coerente. E isso não deixa de ser, apesar de tudo, surpreendente.

Em qualquer momento, espera-se de um Governo que seja claro nas orientações que traça e convincente no modo como as transmite. Por razões óbvias, tal exigência é até maior em situações de risco e incerteza agravados, como a que hoje vivemos. E o Primeiro-Ministro não foi capaz de fazer nada disso.

Em matéria de inflação anunciou, para o presente ano, uma previsão de 7,4%. Mas, confrontado com uma pergunta sobre os aumentos dos funcionários públicos, embora rejeitando a possibilidade de se cifrarem nesse valor, apenas acenou, vagamente, com o objectivo de fazer cair a inflação para os 2%.

A propósito da situação gerada pelo aumento brutal das prestações à habitação, escrevi aqui, na semana passada, que seria muito importante avançar com soluções mitigadoras. Mas o Primeiro-Ministro, que tão pressuroso foi no anúncio do controlo do aumento das rendas, limita-se a dizer, a este propósito, que o Governo está a acompanhar a situação e a dialogar com a banca (porventura para empurrar para esta a responsabilidade de encontrar as respostas adequadas).

Por outro lado, a criação de um imposto sobre os lucros extraordinários das empresas tem dado azo a pouco comuns divisões públicas entre o Executivo e o PS, com destaque para a perspectiva do próprio Chefe do Governo e do Ministro das Finanças, que o pareciam ter afastado e do Presidente do Partido que, por mais de uma vez, o veio defender.

E o que diz António Costa a este respeito? Cito, textualmente: “Estamos a analisar a situação; se se justificar haverá medidas, se não se justificar, não haverá medidas”. La Palice não faria melhor…

No que toca ao aeroporto de Lisboa, ficámos a saber que talvez lá para o final do ano de 2023 o Governo decida. E, mesmo assim, se tiver uma ajuda “metodológica” do PSD… E fomos presentados, também, com mais um episódio da relação António Costa-Pedro Nuno Santos, com o primeiro a dizer que o segundo só será envolvido no processo para executar as decisões políticas que, sem a participação dele, vierem a ser tomadas!

A respeito da saúde, pouco mais do que uma referência críptica ao facto de Lisboa ter muito a aprender com o Porto em matéria de urgências metropolitanas. Como se a definição de uma rede global de resposta a este problema não fosse, antes do mais, uma responsabilidade do próprio Governo e das administrações regionais de saúde, que dele dependem.

Embora, neste domínio, não deva ficar sem reparo a deselegância com que tratou Marta Temido (e a crítica implícita que lhe dirigiu) ao dizer – e cito - que “com a mudança da equipa governativa abre-se aqui uma nova oportunidade de diálogo entre todos”.

Guardei para o fim o tema das pensões, em que António Costa foi especialmente infeliz.

Ano após ano, os socialistas criticaram quem dizia que a reforma da segurança social era indispensável para assegurar a sua sustentabilidade. Coisas da direita, acusavam, destinadas apenas justificar a transferência de recursos para o sector privado, porque o sistema, diziam-no à exaustão, não apresentava qualquer risco ou problema estrutural.

Eis senão quando, de repente, o que era deixou de o ser, e é preciso fazer cortes, ainda que de forma dissimulada, antecipando para Outubro uma parte dos aumentos que, para 2023, decorrem da simples aplicação da lei e, com isso, diminuindo a base de cálculo para anos futuros.

De um Primeiro-Ministro exigia-se que assumisse os factos – e as suas consequências - sem subterfúgios. António Costa, porém, preferiu enredar-se num jogo de palavras, tentando esconder a realidade. Nele, não é novo. Mas, numa questão desta relevância, é especialmente censurável.

Na feliz expressão de Paulo Baldaia, com esta entrevista António Costa tentou correr atrás do prejuízo. Em vez disso, acentuou-o. Porque se esqueceu que alturas há em que o silêncio é de ouro…

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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