Opinião

As Causas. Famílias primeiro e pensões quanto?

Parece que o Primeiro-Ministro – embora tenha errado na mensagem – começou nesta matéria [da Segurança Social] a ousar revelar coragem de pensar e agir para além do curto prazo e foi bastante claro quanto à redução futura das pensões. Se for assim, merece elogio por começar a falar a verdade aos portugueses sobre as pensões, não nos tratando como crianças irresponsáveis

O pacote do Governo denominado “Famílias Primeiro” foi comentado por mim na passada semana, com o raro benefício de o fazer em primeira mão pois fora anunciado 2ª feira à noite, talvez para evitar grandes conversas no fim de semana.

Não quero repetir o que disse, além do mais porque existe um forte consenso em relação às conclusões que revelei.

Mas o tema tem ainda algumas veredas a explorar, que nascem sobretudo da forma como o Governo e o PS reagiram às críticas e comentários.

Exemplo disso foi a entrevista ontem à TVI (mais chata do que a espada de Sir Lancelote do Lago, como se dizia quando eu era jovem, e comprovadamente falhada, ainda que com uma aparente exceção de que falarei adiante) onde Costa nem parecia ele a não ser quando ralhou aos jornalistas no final.

Por isso, e porque o tema foi considerado essencial pelos portugueses, vamos a isso.

PENSÕES: AS EXPLICAÇÕES INCOMPATÍVEIS

O Governo e o PS ensaiaram duas linhas de argumentos sobre o tema das pensões (que é realmente o essencial e onde se concentraram as críticas):

  1. Nunca houve um aumento tão elevado das pensões, mesmo esquecendo a antecipação e tratando apenas da metade do acréscimo no próximo ano;
  2. A sustentabilidade da segurança social é o essencial.

A primeira explicação é mais uma habilidade e a persistência dos truques de ilusionismo: se tivermos este ano inflação de 8% (o que não acontecia há 30 anos) e se as pensões aumentassem 8% para 2023 aumentavam menos do que em 2010 em que não aumentaram, mas a inflação foi negativa no ano anterior.

E o problema não é antecipar uns meses metade do aumento previsto para 2023, mas o facto de isso ter efeitos para sempre ao reduzir a base de atualização.

Algo semelhante vai acontecer aos senhorios, pois o desconto compensatório no IRS por causa da redução a 2% do aumento das rendas, além de ser feito apenas mais tarde, vai definir uma base para futura atualização inferior ao que resultaria da lei.

Ou seja, persistir nesta teoria apenas se pode explicar de dois modos, nenhum deles abonatório:

  1. pensam que os portugueses são estúpidos e/ou com menor literacia financeira do que infelizmente temos, e abusam disso; ou
  2. a cartilha distribuída aos que tiveram de abordar o assunto não foi atualizada para corrigir o erro e os dirigentes socialistas andam em piloto automático, seguindo o que lhes colocam na cábula.

REDUÇÃO DAS PENSÕES: TROIKA E COSTA, A MESMA LUTA?

Mas a segunda explicação (a sustentabilidade da segurança social é o essencial) é mais importante porque aposta numa preocupação compreensível num país crescentemente envelhecido e com o segundo pior índice de envelhecimento da União Europeia.

No fundo, o Governo sabe – como António Costa sabia quando criticou Passos Coelho antes das eleições de 2015 – que o sistema de segurança social, como está, não é sustentável.

Por mais malabarismos que se façam (e sobretudo devido à brutal carga fiscal que a Troika impôs e o Governo socialista mantém) só há dois modos de enfrentar o problema:

  1. em épocas sem inflação, reduzir a pensão paga; e
  2. em épocas com inflação não repercutir totalmente a inflação na atualização das pensões.

O resultado a alcançar é o mesmo.

Mas há uma relevante diferença de perceção e por isso com muito significado político:

- Reduzir o valor das pensões é sentido como uma perda; mas

- Sofrer redução de pensões pela inflação – e então de forma mais gradual e por isso menos aparente – é apenas sentido como um não ganho.

Mas tudo é idêntico, repete-se. Admita-se que não havia inflação em 2022 e que o Governo decidia reduzir as pensões no valor equivalente a metade uma pensão mensal para 2023. O efeito era rigorosamente o mesmo que aumentar metade da redução do valor das pensões “comido” pela inflação do ano anterior.

E em 2024 e nos anos seguintes a sustentabilidade da segurança social melhoraria do mesmo modo: o efeito inflação faz subir as receitas nominalmente pelos aumentos salariais, mas as despesas sobem menos do que isso.

A CORAGEM POLÍTICA DE ANTÓNIO COSTA

Tudo claro, portanto, e é tão demagógico atacar Passos Coelho por ter sido obrigado a reduzir pensões como é demagógico atacar Costa por fazer o mesmo, pois ambos estão confrontados com um problema grave que exige ação.

O problema é outro. Por razões para mim incompreensíveis, o Primeiro-Ministro e os seus apaniguados optaram por não querer assumir esta realidade com coragem política.

Por isso tentaram enganar-nos com uma habilidade e “venderam” a redução das pensões como um enorme aumento das pensões.

Como seria previsível – podem enganar-se poucos durante muito tempo, todos durante pouco tempo, mas não é possível enganar todos durante muito tempo – a castanha estalou-lhes na boca.

Confrontados com a reação, depois de andarem um pouco aos papeis, o discurso passou a seguir a ser recusar falar de 2024 e ir anunciando que ia ser revisto o regime das pensões deixando pairar a ideia de que em 2024 se vai recuperar rendimento de novo.

Todos sabemos que a engenharia financeira parece poder fazer milagres, pelo que não é de excluir que tirem da cartola daqui a um ano mais um coelho.

Mas isso seria duplamente errado.

Em primeiro, porque os portugueses não são parvos, todos os que têm menos de 50 anos não têm ilusões sobre as pensões que irão receber e os mais velhos também sabem que estão a viver à custa dos filhos e dos netos.

E, depois, se resolverem afinal empurrar com a barriga e permitir recuperar mil milhões de euros para as pensões em 2024, o efeito – como aliás o Primeiro-Ministro ontem reconheceu na entrevista – seria reduzir entre metade e um quarto a sustentabilidade do sistema (que era de 26 anos).

Finalmente, ontem parece que o Primeiro-Ministro – embora tenha errado na mensagem – começou nesta matéria a ousar revelar coragem de pensar e agir para além do curto prazo e foi bastante claro quanto à redução futura das pensões.

Se for assim, merece elogio por começar a falar a verdade aos portugueses sobre as pensões, não nos tratando como crianças irresponsáveis.

OS DOIS CORPOS DA RAINHA E PORTUGAL

Não faço obituários, nem saúdo sucessos desportivos no estrangeiro, e também recuso dar notas finais sobre eventos de amigos, conhecidos, ou seja de quem for. É uma regra – digamos da minha política editorial – quase sem uma exceção.

A morte da Rainha Isabel II e a sucessão no trono de Carlos III, não viola a minha exceção. Como explicam os teóricos do constitucionalismo (melhor se dizendo de “teologia política”), como Kantorowicz, o rei tem dois corpos, um físico, visível, carnal e outro jurídico, invisível, simbólico.

Aquilo a que me refiro é à continuidade do corpo régio, que apenas passa a encarnar em diferente corpo físico. Toda a lógica imanente do regime monárquico está nisso. E toda a lógica das instituições (e também das empresas, por exemplo) não se baseia noutra coisa, seja qual for o modo de designação dos sucessores.

Aquilo a que centenas ou milhares de milhões estamos a assistir por estes dias é ao ritual da transição simbólica, e fazemo-lo também porque sentimos que ela está afinal impressa na nossa memória histórica (quase chego ao ponto de dizer que também no nosso património genético).

Por isso é que a morte de uma notável Mulher e Chefe de Estado é tão exemplar: reforça o institucionalismo britânico, com a vantagem adicional de ter ocorrido na Escócia.

Mas que tem isto a ver com Portugal? Nada e tudo.

Nada, porque a transição monárquica há muito tempo que deixou de fazer parte da nossa realidade e tudo indica que não faz parte do nosso futuro.

Tudo, porque revela como uma sociedade com instituições ritualizadas se adapta melhor (por exemplo, os 4 mais recentes ministros britânicos das finanças vêm de minorias de origem ganesa, paquistanesa (2) e curda) e por contraste nos faz perceber que Portugal constitui uma sociedade pouquíssimo institucionalizada, onde a continuidade se recusa, em que cada um que chega não olha para o passado, sem perceber que assim perde o presente e nunca saberá antecipar o futuro.

O ELOGIO

A Carlos Moedas e Carlos Carreiras (os dois mais poderosos autarcas do PSD) por em conjunto terem anunciado – num texto publicado no “Sol” – que vão lançar um programa de apoios sociais (incluindo fiscais) que visa alegadamente ir mais longe e diferente do programa apresentado pelo Governo uns dias antes.

O sentido de oportunidade e a rapidez de ação é sinal de grandes políticos. E além disso, são um sinal para que todos nós – cada um, onde e na medida dos seus poderes e disponibilidades – demos aos que mais necessitam em tempos que vão ser muito duros.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Há anos que venho dizendo que é essencial que os “moderados”, mais à Direita ou mais à Esquerda, ousemos o risco de protagonismo, do combate de ideias e das propostas de reforma para Portugal.

Foi o que fez a SEDES, dinamicamente dirigida por Álvaro Beleza, um moderado de esquerda, por ocasião dos 50 anos desta instituição, que surgiu ainda no tempo da Ditadura, sempre com o mesmo projeto de moderação e de ação politico-ideológica independente.

O resultado da mobilização de centenas de voluntários (como registo de interesses, declaro que fui modestamente um deles) é um livro – simbólica e programaticamente - intitulado “Ambição: Duplicar o PIB em 20 anos”.

São apresentados 23 relatórios temáticos de propostas, que cobrem as áreas essenciais que devem ser motores de desenvolvimento de Portugal através de reformas consistentes e coerentes.

A luta contra os radicalismos de Esquerda e de Direita é primeiro um trabalho intelectual, e depois uma proposta de ação. O livro passa no duplo teste e é de leitura obrigatória, em minha opinião.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Parece ser uma excelente decisão criar um CEO profissional para o SNS, e que o escolhido venha a ser o Doutor Fernando Araújo, atual Presidente do Hospital de S. João. Isto demonstra uma viragem depois do consulado de Marta Temido.

Seja como for, mais uma vez a colocação de professores nas escolas e a situação dos alunos sem aulas se repete.

Daí duas perguntas para o Primeiro-Ministro: não seria uma boa ideia criar um CEO para o que se poderia chamar o Serviço Nacional de Educação, copiando o modelo do SNS?

E com o novo modelo do SNS não seria de reduzir substancialmente o peso de pessoal político a nível central do Ministério e o peso de estruturas regionais que só vão criar entropia?

A LOUCURA MANSA

Recentemente, foi referido que a instrução criminal do caso BES (seguramente a mais complexa de sempre) foi entregue a um Juiz de Instrução apenas com 2 anos de experiência profissional (incluindo o estágio).

O regime legal exige para essa essencial função do sistema judicial criminal mais de 10 anos de experiência (eu aliás desde sempre defendi que os JIC deviam ser desembargadores).

A explicação – melhor seria dizer “a desculpa” – foi que não houve nenhum juiz com a senioridade exigida a concorrer.

O papel do Juiz de Instrução é muito difícil e exigente, e peça essencial da fábrica do Estado de Direito. É extraordinário o aparente desleixo burocrático com que isto é tratado, não se indo à raiz do problema.


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