Opinião

Água potável em pedra dura, tanto bate até que esgota

Água potável em pedra dura, tanto bate até que esgota

Jorge Antunes

Diretor na Hitachi Vantara em Portugal

“Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”, escrevia Saramago. É assim que acredito que devemos encarar a atual situação de escassez de recursos hídricos, vivida um pouco por todo o país

As inegáveis alterações climáticas trouxeram consigo aumentos de temperatura e períodos de ausência de precipitação que, ano após ano, se revelam gradualmente mais impiedosos. Agravando esta situação, existe o risco de exaustar os recursos de água potável no subsolo – os nossos aquíferos –, e desta forma criarmos espaço para ocorrer a contaminação dos mesmos pela água do mar. A médio-longo prazo, este impacto é imensuravelmente pior. Precisamos impreterivelmente deste recurso.

Quando limites ao consumo são impostos, agricultores veem a sua atividade restringida, populações desesperam e a economia definha, há que ponderar: existem soluções? Sim. Falta capacidade de decisão para as implementar? Não acho que seja o caso; penso que é, antes de mais, requerido que a vontade política se alinhe com a indústria.

Para já, tomemos como exemplo a ecovila de Tamera, no sul do Alentejo. Esta comunidade replica técnicas antigas para recuperar os circuitos de água. A sua eficiência logística na utilização de água das chuvas permite-lhes, hoje, ter água em fontanários e pequenas lagoas onde anteriormente existia uma zona de seca profunda. Isto cria, consequentemente, um impacto positivo profundo em todo o ecossistema em redor.

Este caso de estudo do uso sustentável dos recursos hídricos, diga-se, torna a minha posição clara como água: a gestão adequada destes é possivelmente o tópico mais crítico para o país, tendo em vista uma estrutura ambiental equilibrada para o futuro.

A dessalinização, enquanto uma das soluções com maior potencial para a produção alternativa de água potável, é um assunto cujo debate se arrasta há anos. Até ao momento, Portugal conta apenas com a estação de Porto Santo, na Madeira; os planos para a estação do Algarve, da qual muito se tem falado, mantêm-se exatamente nesse estado: planeados.

Um dos aspetos comummente apontados, enquanto crítica a esta implementação, fundamenta-se no investimento avultado que as grandes centrais exigem; a minha visão aqui difere: porque não apostar em estações mais pequenas, para termos um maior número de pontos de distribuição, e um foco na microprodução?

Neste âmbito, as estações de dessalinização vão-se aproximando de nós enquanto uma realidade cada vez mais plausível: têm a seu favor o progresso tecnológico. Existem já mecanismos que conseguem efetuar a conversão da água do mar em água potável recorrendo a fontes de energia renováveis que, como é sabido, são abundantes no nosso país; o uso das alternativas solares e eólicas pode mesmo permitir a criação de soluções autónomas. Portugal tem talento para tal e as tecnologias estão disponíveis – urge investir.

É fulcral que, mais do que financeiro, o custo com maior peso em consideração, nesta busca por soluções que consigam servir a população, seja o ambiental. Independentemente da solução que se encontre, o seu impacto ecológico deve ser sempre o menor possível. Por outro lado, há um trabalho que acredito que deve ser começado desde já para anteciparmos a necessidade de “tapar buracos” mais tarde.

Factualmente, ocorrem perdas e fugas de água nas redes de distribuição de águas em Portugal; a manutenção e reparação destas deve também estar no topo da lista de prioridades quando se fala de alternativas para a obtenção de água – aumentando desde logo a nossa eficiência no consumo, através da anulação do desperdício.

Qualquer obstáculo na obtenção de água terá sempre repercussões severas na sociedade. A economia, por seu lado, depende também da abundância deste recurso, pelo que se torna imperativo focar-nos na adoção de soluções que gerem um fluxo estável no fornecimento de água para os sectores mais afetados. A expressão popular diz-nos que “só faz falta quem está”. Preocupemo-nos, então, em materializar este ditado agindo não necessariamente com pressa, mas enquanto temos tempo e recursos hídricos aos quais recorrer.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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