No momento em que escrevo ainda não são conhecidas as medidas que o Governo vai anunciar hoje mesmo para, segundo afirma, apoiar as famílias em face do aumento dos preços dos bens essenciais. Não me pronunciarei assim sobre medidas concretas, mas sobre questões suscitadas pelo tipo de medidas que podem, ou não, vir a ser adotadas.
Importa sublinhar que uma questão central dos tempos que estamos a viver é a da simultaneidade entre o surto inflacionista a que assistimos e o aumento obsceno dos lucros dos grupos económicos que comercializam os produtos que mais contribuem para o aumento da inflação. Vemos o aumento galopante dos preços dos bens alimentares e o anúncio do aumento extraordinário dos lucros dos grupos que controlam a grande distribuição, vemos o aumento dos preços dos combustíveis e vemos o anúncio dos lucros obscenos da Galp, e os exemplos poderiam continuar.
sta situação é tão visivelmente escandalosa que começa a ganhar força em diversos países a ideia da taxação dos lucros extraordinários dessas empresas. Evidentemente que tal ideia não surgiria se não houvesse a convicção não só do caráter extraordinário (eu diria, oportunista) de tais lucros, mas também do seu caráter artificial e especulativo. Por cá, o Governo tem fugido a considerar essa questão.
Por cá, o Governo PS tem vindo a referir a necessidade do apoio às famílias para fazer face ao aumento dos preços e os partidos da direita, não divergindo desse tipo de medidas, continuam a insistir na intervenção por via da redução fiscal.
Começando pela questão fiscal, há muito que o IVA dos combustíveis e da eletricidade deveria ter sido fixado na taxa mínima. Há vários anos que o PCP o tem vindo a propor, e que o PS e a direita o têm vindo a recusar. Quem não se lembra da triste rábula parlamentar em que o PSD, depois de anunciar o voto favorável na proposta do PCP, acabou por se abster, inviabilizando a sua aprovação?
Contudo, a questão central das propostas que têm vindo a ser pré-anunciadas é a do apoio direto às famílias para enfrentar o aumento dos preços.
Tenho como inquestionável que a forma justa e adequada de apoio às famílias para fazer face ao aumento dos preços é o aumento generalizado dos salários, das pensões e das prestações sociais com caráter definitivo. É essa a única forma justa de enfrentar a manifesta degradação do poder de compra das famílias: aumentando o poder de compra dos rendimentos dos trabalhadores, dos pensionistas e dos beneficiários de prestações sociais.
Pensar em apoiar as famílias na base de prestações temporárias de tipo assistencialista, substituindo a justiça social por mecanismos caritativos, é uma indignidade, ainda que obviamente, tais medidas sejam compreensivelmente bem-vindas por quem possa delas beneficiar.
Por outro lado, é evidente que tais medidas não vão combater a inflação. Para o fazer, é preciso tomar medidas de regulação transparente da formação dos preços de modo a impedir os lucros especulativos, e estabelecer preços máximos de intermediação e de comercialização onde tal se revele necessário.
Se assim não for, as tão aguardadas medidas de apoio às famílias podem vir a redundar afinal na manutenção dos lucros obscenos dos grupos económicos, só que subsidiados, à custa de recursos públicos que podem vir a faltar para a garantia de direitos sociais fundamentais como o acesso à saúde ou à educação.
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