2 setembro 2022 0:10
O balde, que antes era um símbolo da minha pobreza, é agora um símbolo da vida desafogada das minhas filhas
2 setembro 2022 0:10
Na aldeia não havia casa de banho; havia uma latrina como nas casas do faroeste e claro que este enclave escatológico não era servido por água corrente, que, na época, era tão implausível como um lobisomem. Tínhamos um balde que era preciso encher no poço e, quando acabávamos, era da mais elementar boa educação reencher o balde. Ouvíamo-las das boas da avó se deixássemos o balde vazio. Este hábito ilustra uma pobreza tão profunda que parece inverosímil aos vossos olhos privilegiados, olhos habituados aos confortos modernos e à leitura de jornais. Mas, garanto-vos, ainda era assim em meados dos anos 90. Este balde podia agora envergonhar-me, até porque podia criar uma distância inconciliável entre a meu passado miserando e o presente privilegiado das minhas filhas, que, tal como vocês, começam sempre por pensar que estas minhas histórias são inventadas. No entanto, constato que muitos dos hábitos da minha pobreza antiga são hoje em dia marcas de identidades dos privilegiados da cidade — o balde é uma dessas pontes entre tempos e classes.