Marta Temido: um assassinato político
Do mandato de Marta Temido fica uma notável e estoica gestão da pandemia e alguma ingenuidade perante quem prestava contas
Psiquiatra e piloto
Do mandato de Marta Temido fica uma notável e estoica gestão da pandemia e alguma ingenuidade perante quem prestava contas
Começo por uma declaração de interesses. Conheço Marta
Temido, gosto dela, temos uma relação cordial, mas não
política. O que aconteceu hoje era previsível, mais cedo ou mais
tarde.
Depois da pandemia todos sabíamos que o SNS tinha de ter
uma grande reforma. Os problemas vinham de longe, o
mundo mudou, os valores também, a forma de gerir um dos
pontos socais mais sensíveis teria de sofrer uma profunda
alteração.
Num Governo de maioria absoluta tudo depende do primeiro-
ministro e do partido que o apoia. Ao contrário do que se
possa pensar o problema não são as Finanças, o ministro fará
sempre o que o mandarem fazer.
Assistimos, desde que as coisas começaram a correr pior, ao
completo desaparecimento do chefe do Governo a apoiar a
ministra da Saúde, com a rara exceção, quando foi
anunciado o gestor para o SNS. Ainda se lembram, com
certeza, como, na pandemia, o trabalho era feito no Ministério da Saúde, mas os louros eram espalhados entre São Bento e Belém.
Aqui terá começado o processo de “execução” da ministra da Saúde. O PR deu uma ajuda, ao colocar as suas reservas, aliás legítimas.
O que está em causa é a relação com os privados. Marta
Temido nunca escondeu a sua resistência a grandes acordos
com estes grupos. Que estão a preparar-se há muito tempo,
para serem supletivos em relação a muitas áreas do SNS.
Alguém os ouviu queixarem-se da falta de médicos, obstetras
ou de outras especialidades?
Estamos numa economia de mercado: ganha quem paga mais
e dá melhores condições de trabalho.
Mas este assassinato político tem cúmplices. Quantos jornais televisivos abriram nos últimos meses com
notícias sobre o SNS?
O fogo cerrado sobre a ministra foi contínuo. Ontem assisti a
uma entrevista vergonhosa na CNN à minha colega diretora
da Obstetrícia de Santa Maria sobre a grávida que morreu. A
pressão da jornalista para que dissesse que o que tinha
acontecido tinha a ver com o mau funcionamento do SNS foi
inaceitável. Admiro a calma da colega, não sei se seria
capaz de fazer o mesmo sem desmascarar o que se estava a
fazer.
Podia ter sido evitado tudo isto? Tenho dúvidas, mas sempre
pensei que Marta Temido geria muito mal a relação com a
comunicação social e os comentadores. Não lhes ligava
nenhuma, coisa que eles não perdoam…
Fica do seu mandato uma notável e estoica gestão da
pandemia e, na minha opinião, alguma ingenuidade perante
quem prestava contas.
Há alturas na vida, ainda mais na política, em que é preciso
gritar: ou vai ou racha...
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