Opinião

O apocalipse manso e o exílio bucólico

26 agosto 2022 0:16

As emissões continuam a crescer, mesmo que a cada ano se tornem mais brutais os sinais da emergência climática; as energias renováveis não substituem as fósseis, limitando-se a responder a parte do consumo que se vai ampliando

26 agosto 2022 0:16

Quando Umberto Eco reuniu em livro um conjunto de ensaios sobre o que então se começava a chamar “a sociedade da comunicação”, deu-lhe o título de “Apocalípticos e Integrados” (Relógio D’Água, 2015). O efeito do empreendimento provocou-lhe surpresa, como explicou mais tarde, dado que pensava que o livro pouco mais seria do que um resumo de ideias já discutidas, ilustrando-as com as suas predileções pessoais pela banda desenhada, pelo romance policial e pela cultura kitsch. Por isso, o livro é povoado pelos sons dos Platters, pelos diálogos dos “Peanuts” e pela memória juvenil de Dick Tracy e Flash Gordon. Ora, o que aconteceu foi que o argumento foi fervorosamente discutido, como aliás seria de esperar naqueles italianos anos 60. Em tudo isso há uma ideia velha que aqui venho usar, para discutir outra questão, e cito-a na sua roupagem ‘ecoísta’: o “super-homem nietzschiano [é] típico da cultura de massas da atualidade”, o que já muita gente tinha sugerido, acrescenta então que a sociedade de comunicação intensiva transformou o drama em que esse “super-homem” se moveria em farsa ou, ainda pior, em espetáculo, na medida em que o apocalíptico consola o leitor e a leitora, “porque lhe deixa entrever, sob o pano de fundo da catástrofe, a existência de uma comunidade de ‘super-homens’ capazes de se elevarem, quanto mais não fosse através da recusa, por sobre a banalidade média”. Queira-se ou não, a consolação é a pior condenação que se pode imaginar para uma tragédia, e se a filosofia política se perguntava, pelo menos desde Spinoza, se a indignação e o medo podem suscitar a revolta, a resposta destes “apocalípticos” de Umberto Eco é que não: limitam-se a consolar, ao prometerem a atitude heroica.