Opinião

Um longo e penoso caminho ainda a percorrer

Um longo e penoso caminho ainda a percorrer

Rita Carvalho

Gabinete de comunicação dos jesuítas portugueses

Saber que muitas das vítimas foram duplamente maltratadas por membros da Igreja a que pertenço leva-me a um exercício de humildade e penitência. Contudo, arriscaria dizer “sim, a igreja está a fazer o seu trabalho”. E acrescentaria logo a seguir: mas ainda há muito por fazer

O abuso sexual é um crime hediondo que destrói a vida dos que dele são vítimas. Não só na hora do abuso, mas para sempre. O profundo respeito pela dor dos que sofreram abusos por parte de padres, religiosos ou leigos da Igreja Católica leva-me, por isso, a ser cautelosa na resposta. Saber que muitas das vítimas foram duplamente maltratadas por membros da Igreja a que pertenço pois, não só abusaram, mas também ocultaram o crime e protegeram os abusadores, leva-me a um exercício de humildade e penitência. Contudo, arriscaria dizer “sim, a igreja está a fazer o seu trabalho”. E acrescentaria logo a seguir: mas ainda há muito por fazer.

Hoje, as dioceses têm comissões para acolher denúncias, os colégios, paróquias e movimentos têm ou preparam sistemas internos de prevenção, formação e denúncia, e as regras do Vaticano são claras no que diz respeito a reportar às autoridades civis todas as suspeitas, a suspender o alegado abusador, e a colocar no centro de toda a atuação a proteção da vítima. Uma tolerância zero a todo e qualquer abuso e a todo e qualquer ocultamento. Diria que temos hoje mecanismos para prevenir a ocorrência de abusos e, caso estes ocorram - sabemos que a sua prevalência na sociedade é elevada, em especial na família - sejam denunciados e protegidas as vítimas.

Contudo, sabemos que a criação de sistemas de prevenção e atuação não vale por si, tem de ser enraizada numa profunda mudança de mentalidade. Sendo a Igreja um corpo com milhares de fiéis, o caminho é longo, complexo e lento e não sei se algum dia estará acabado. Estamos, contudo, a fazê-lo.

Além da prevenção e atuação em casos recentes, hoje a Igreja portuguesa é chamada a olhar para o seu passado e a confrontar-se com a verdade da sua história. Tal como ocorreu noutros países, e na linha do que pede o Papa Francisco, a Igreja só conseguirá recuperar a confiança e a credibilidade e reconciliar-se com o passado, quando conhecer a sua verdade e for capaz de cuidar das vítimas que provocou, pedindo-lhes perdão e atendendo às suas necessidades. Para isso, além das comissões já referidas e de outros serviços para acolher vítimas -, como o Serviço de Escuta criado pelos jesuítas em 2021 -, os bispos criaram a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais, que está a recolher testemunhos e a fazer o levantamento de casos. As dioceses e congregações estão a colaborar nesse processo.

Tal como numa família ninguém deseja desenterrar um passado negro e doloroso, também na Igreja este processo suscita resistências e é delicado. O contributo dos media tem sido, por isso, relevante. Apesar das dificuldades e do longo caminho a percorrer, acredito que é um caminho necessário e sem retorno, em nome das vítimas, e do qual a Igreja sairá mais livre e verdadeira.

Nota da direção do Expresso: na edição desta semana da edição semanal, na rúbrica "Duelo" da página 2, o Expresso colocou um artigo de opinião de Rita Carvalho como se defendendo a resposta "não" à pergunta se a hierarquia da Igreja estava a reagir bem à sequência de denúncias de abusos entre membros do clero. Como se lia no próprio texto, Rita Carvalho respondia positivamente à pergunta. Pelo erro o Expresso se penitencia - e deixa as devidas desculpas à autora e aos leitores.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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