Opinião

Nas universidades de Verão, a direita deve ler Horácio

Há duas lições que a direita deveria aprender com Boris Johnson. A primeira é directa: a importância da construção narrativa, da história que se conta. Para Boris é fundamental que a mesma seja positiva e mobilizadora. Por cá é cada vez mais reactiva. A segunda é indireta, e advém da invocação de Horácio. Não outro, mas Horácio: precisamente o poeta do carpe diem

Enquanto que o PS se especializou em convencer o país que consegue sol na eira e chuva no Nabal, a direita, nem sol, nem chuva, nem eira, nem Nabal. Nada. Perdida entre o rancor e as lições do passado que o país não aprendeu, a direita nada. Perdão: não nada, afoga-se.

Passam hoje, precisamente, 10 anos que Pedro Passos Coelho tomou posse como primeiro-ministro, liderou o governo que salvou o país da bancarrota socialista, pôs a economia a crescer e o desemprego a descer. Desde então, muita coisa se passou. Uma das quais foi que a direita, órfã de liderança, se tornou na tia velha e amarga do país, que para além de rabujar, pouco mais encontrou que dizer.

Tom McTague, num artigo de há dias na The Atlantic sobre Boris Johnson, conta um episódio com o primeiro-ministro britânico que talvez tenha passado despercebido por cá; o que é uma pena para todos, e uma tragédia para a direita. Boris elogia Horácio, o grande poeta romano. O argumento? São os poemas - Boris até se lhes refere como “bum-sucking poems”, que o pudor me impede de traduzir - sobre os políticos, mais do que os políticos, que sobrevivem à história. A intenção? A defesa do jornalismo; ou, se quiserem, conhecendo Boris, do storytelling, que não é a mesma coisa.

Ante a incredulidade de McTague, Boris insiste e esclarece: “As pessoas vivem pela narrativa. Os seres humanos são criaturas de imaginação”. Mas vai mais longe. O político que, antes de tomar partido pelo Brexit, escreveu dois artigos sobre o tema, um a defender a saída e outro a defender a permanência do Reino Unido na União Europeia, e escolheu um para publicar e o outro para destruir, dá o exemplo das narrativas que se digladiaram durante o referendo. Diz ele, que os políticos - que acabaram derrotados - que defenderam a permanência “não contaram a verdadeira história, no âmago da sua visão: a história da beleza da unidade europeia e da identidade coletiva. Em vez disso, ofereceram alegações de um desastre iminente caso a Grã-Bretanha partisse; a maioria das quais não aconteceu, pelo menos ainda. Já a história em que os eleitores acreditaram foi fundamentalmente diferente”. Soa-vos familiar? Deixem lá o Brexit, falo da ameaça do desastre eminente no lugar de uma visão galvanizante, inspiradora. E falo, claro, dos avisos e dos resmungos da direita portuguesa face à governação PS. O meu ponto é que esses avisos e resmungos, por mais legítimos e verdadeiros que sejam, e são, estão longe de serem suficientes para ganhar eleições. Sobretudo se do outro lado estiver alguém a contar uma história sobre leite e mel. Mesmo que o leite seja de soja e o mel feito de água com açúcar.

O Banco de Portugal acaba de rever em alta o crescimento para 2021-2023 e o desemprego em baixa, e prever o crescimento do consumo privado, do investimento e das exportações. O dr. Costa, entretanto, já teve autorização do nosso sahib, a Sr.ª Von der Leyen, para ir ao banco levantar o dinheirinho da bazuca. Com estes dois acontecimentos o PS prepara-se para prosseguir a festa.

Há duas lições que a direita deveria aprender com Boris Johnson. A primeira é directa: a importância da construção narrativa, da história que se conta. Para Boris é fundamental que a mesma seja positiva e mobilizadora. Por cá é cada vez mais reactiva. A segunda é indireta, e advém da invocação de Horácio. Não outro, mas Horácio: precisamente o poeta do carpe diem.

O que é que isto quer dizer? Desde logo, que o país quer viver. Aproveitar o dia, aproveitá-lo bem e aproveitá-lo hoje. Enquanto uns anunciam a festa, falar da ressaca, como faz a tal tia velha, talvez não seja a melhor forma de captar a atenção dos foliões. Depois, que o país não é o país político. Enquanto este se indigna, e bem, com o que se passa na Câmara Municipal de Lisboa, com as declarações idiotas/ingénuas (riscar o que preferir) do Ministro dos Negócios Estrangeiros, a desqualificação da gravidade política para o nível do erro burocrático de Costa, os atropelos constitucionais e as incompetências do Governo, aquele quer viver o dia, que é o mesmo que dizer, para já: concentrar-se no futebol.

Eu sei, a direita política está melindrada com Marcelo Rebelo de Sousa. Compreendo e subscrevo as razões. E alinho na indignação com as declarações sobre o europeu de futebol. Mas quem quer ganhar eleições - se é que esse é o objectivo da direita - talvez fizesse bem em prestar atenção ao político mais próximo do seu espaço em funções de soberania, e que o faz depois de ter conquistado mais de 60% dos votos. Político que, aliás, está também ele mais próximo do país do que do país político.

Revoltados, entre a indignação por ter dito o que disse sobre a rabujice da direita e o escândalo por ter invocado Marcelo, dizem-me que políticos sérios não dizem o que os eleitores querem ouvir, mas aquilo que têm de ouvir. Dizem-me que os políticos sérios não escondem a verdade atrás da demagogia. Quanto à primeira adversativa: boa sorte nisso! Se acham que os eleitores querem ser contrariados, cá estarei para vos ouvir chorar as "más escolhas" dos concidadãos. Quanto à segunda, estou de acordo, mas permitam-me que acrescente: o oposto da demagogia socialista não é a mortificação sine die de uma direita zangada, polvilhada com quebra da coesão social.

E que narrativa, então? Eu, por exemplo, gosto da narrativa da liberdade. E vejo que a direita indígena, percebendo-a ou não, se empolgou com Ayuso. Querem, portanto, contar uma história de liberdade? Vamos a isso, dou para o peditório. Contem uma história de liberdade de circulação e fixação territorial, de mobilidade social, de escolha na educação, de escolha dos serviços de saúde, de poder aplicar o dinheiro livremente sem esbulho fiscal, de investimento sem opressão burocrática. Contem uma história de um país que crie riqueza, que melhore as condições de vida dos cidadãos, que os deixe construir o seu projecto de felicidade. Contem uma história de protecção à família, dos mais novos aos mais velhos. Uma história de solidariedade, em que ninguém fique para trás; e digam aos portugueses que isso só se faz se formos mais ricos. Contem uma história de oportunidades, de empregos e empresas, onde o trabalho seja dignificado e justamente recompensado.

Mas façam isso rápido, porque, como diz Horácio, enquanto falamos terá fugido o tempo (dum loquimur, fugerit invida aetas). Carpe diem!

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate