Marcelo e o regime
À superfície vemos que a popularidade de Marcelo leva a que os inquiridos desejem que o (futuro) Presidente intervenha mais. Além disso, mais à direita, os eleitores queriam que Marcelo tivesse feito oposição ao Governo de Costa
À superfície vemos que a popularidade de Marcelo leva a que os inquiridos desejem que o (futuro) Presidente intervenha mais. Além disso, mais à direita, os eleitores queriam que Marcelo tivesse feito oposição ao Governo de Costa
Os portugueses compreendem bem o funcionamento do sistema político português, consolidado a partir da revisão constitucional de 1982, onde o primeiro-ministro se assumiu como a figura central do regime. Nesta sondagem, 65% dos inquiridos acham que é o primeiro-ministro que governa realmente o país. O Presidente surge, no entanto, a par do Conselho de Ministros e do Parlamento, como instituição que intervém na governação. Só 12% acham que o Chefe de Estado deve “estar determinado a reformar Portugal”. Pelo contrário, os portugueses tendem a considerar que o Presidente deve “ter uma visão para o país”, “estar próximo dos portugueses” e “saber uni-los”.
Se os portugueses compreendem o papel moderador do Presidente, não quer dizer que concordem com ele. Quase metade da amostra (48%) afirma que o próximo Presidente deveria intervir mais nos assuntos políticos do país. Como é que se pode entender esta vontade dos portugueses?
À superfície vemos que a popularidade de Marcelo leva a que os inquiridos desejem que o (futuro) Presidente intervenha mais. Além disso, mais à direita, os eleitores queriam que Marcelo tivesse feito oposição ao Governo de Costa.
Talvez esta vontade também reflita uma contradição inerente à Presidência. A eleição direta legitima o Chefe do Estado e cria um elo com os cidadãos. Agora, para que o Presidente seja um fator de estabilidade é necessário que o seu intervencionismo político ocorra apenas pontualmente. Esse desempenho acaba por chocar com as expectativas dos cidadãos geradas pela eleição direta. E não importa que a coabitação seja interpretada pelos presidentes de forma muito diferente do primeiro para o segundo mandato, tornando-os mais interventivos. Tem havido um aumento da abstenção ao longos dos últimos mandatos presidenciais, sobretudo quando se trata de uma reeleição. O maior desafio de Marcelo é pois conseguir que o seu peculiar ativismo das emoções que imprimiu à Presidência sirva para resgatar a participação eleitoral nesta eleição para níveis acima dos 50%, dando um novo fôlego ao cargo.
Não é certo que Marcelo acredite nisso, ao anunciar a sua candidatura muito tardiamente e numa pastelaria. A pandemia não explica tudo. Se a abstenção for maior do que na reeleição de Cavaco Silva, provar-se-á que o populismo mediático do atual Presidente, que tem algumas desvantagens para o regime, não teve sequer o mérito de inverter o declínio da importância dada à eleição do Chefe de Estado.
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