Opinião

Parabéns Convenção! Obrigado pelo que fizeste por Portugal!

Ana Maria Guerra Martins e Paulo Pinto de Albuquerque

No dia em que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos comemora o seu septuagésimo aniversário, importa fazer uma breve reflexão sobre a influência que aquela Convenção bem como o Tribunal por ela criado – o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos – tiveram no surgimento, no crescimento e na consolidação da democracia e do Estado de direito em Portugal.

Mesmo antes da adesão de Portugal à CEDH, a sua influência já se fazia sentir em Portugal, desde logo na Assembleia Constituinte de 1975 que se seguiu à Revolução dos Cravos de 1974. A versão original da Constituição da República Portuguesa de 1976 representa uma opção clara no sentido de um sistema de governo democrático, da afirmação do Estado de direito e da proteção dos direitos fundamentais, em consonância com as democracias constitucionais europeias. Não é por acaso que a versão originária da nossa Constituição começa por afirmar os direitos civis e políticos cujo conteúdo, na maior parte dos casos, é muito próximo do dos direitos consagrados na Convenção e só depois se consagram os direitos económicos, sociais e culturais. Além disso, existe uma enorme abertura da Constituição ao direito internacional, com uma referência expressa à Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 16.º, n.º 2, para a qual a CEDH também remete.

Foi, contudo, a adesão de Portugal ao Conselho da Europa que representou, do ponto de vista político, o passo mais largo no sentido da integração de Portugal na Europa democrática, de direito e respeitadora dos direitos humanos. Devemos essa opção política a homens com a visão humanista de Mário Soares e Medeiros Ferreira, que foram respetivamente o primeiro ministro e o ministro dos negócios estrangeiros do primeiro Governo Constitucional que assinou o Estatuto do Conselho da Europa e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos. A adesão à CEDH significou o reconhecimento por parte dos Estados democráticos europeus de que Portugal fazia parte do mesmo clube. Sendo a adesão ao Conselho da Europa e à CEDH entendida como uma antecâmara da adesão às então Comunidades Europeias, a partir daí o destino europeu de Portugal estava definitivamente traçado, podendo almejar voos mais altos.

Em terceiro lugar, é de realçar o papel do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos na interpretação da CEDH e a influência que tem exercido sobre os tribunais nacionais, através do diálogo que tem vindo a estabelecer com os juízes nacionais. Com efeito, a proteção e tutela dos direitos fundamentais tem hoje uma dimensão multinivel, multiplicando-se as interações cruzadas e a influência recíproca entre tribunais, o que tem contribuído para o enriquecimento da proteção e tutela dos direitos fundamentais e para o reforço dos direitos dos indivíduos. Os tribunais portugueses – sobretudo, os tribunais superiores – não fogem a esta regra, pelo que têm de harmonizar as suas jurisprudências com a do TEDH. Note-se que são mais raros os casos em que os tribunais nacionais se afastam da CEDH do que aqueles em que a aplicam.

Isto não significa que Portugal tenha sempre respeitado os direitos consagrados na Convenção. Pelo contrário, é consabido que o TEDH, em várias ocasiões, considerou que Portugal tinha violado as obrigações que lhe incumbem por força da CEDH, com especial destaque para o artigo 3.º, no que diz respeito às condições de detenção, para o artigo 6.º, por considerar que não se respeitou o processo equitativo, ou para o artigo 1.º do Protocolo 1, por entender que se violou o direito de propriedade. Não obstante estas condenações, estamos profundamente convencidos que o Estado português e, em particular, o Tribunal Constitucional português fizeram um caminho notável de implementação dos valores e princípios da Convenção ao longo destes últimos quarenta anos e continuarão a fazê-lo, de modo a melhorar a qualidade da justiça administrada em Portugal.

Ana Maria Guerra Martins, Juíza do TEDH
Paulo Pinto de Albuquerque, Professor catedrático da UCP

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