4 maio 2020 15:02
4 maio 2020 15:02
A Constituição da República Portuguesa não se encontra suspensa por causa da pandemia. Estará na invasão da privacidade o segredo para combater a invisibilidade dos vírus? Deve ser adotada uma medida equilibrada e proporcional que garanta a proteção dos dados pessoais. Apesar de excecional há sempre o risco de o rastreamento digital se perpetuar no tempo, o que devemos evitar.
A nível mundial muitos países têm adotado o rastreamento digital, através de aplicações de telemóveis, como medida de controlo da pandemia e de regresso gradual à normalidade.
Enquanto que nos países asiáticos - China, Hong Kong e Coreia do Sul - procede-se ao controlo do confinamento obrigatório através da geolocalização dos infetados, nos países europeus - p. ex. República Checa, Áustria e Noruega - as aplicações móveis visam essencialmente avisar os cidadãos que estiveram em contacto ou em proximidade com pessoas infetadas. Ao que tudo indica Portugal inclina-se para a opção utilizada até agora pelos referidos países da União Europeia.
A Constituição da República Portuguesa não se encontra suspensa por causa da pandemia.
É esta medida/aplicação adequada à proteção da saúde pública e à recuperação da economia? O rastreio digital, ao avisar cada utilizador que esteve próximo (menos de dois metros) ou mesmo em contacto com uma pessoa infetada, contribui efetivamente para o controlo da propagação do vírus. O utilizador avisado sabe que deverá proceder à realização do teste e evitar qualquer contacto social até ter a certeza de que não está infetado. Simultaneamente, as autoridades públicas passam a deter uma maior informação sobre a propagação do vírus, o que se pode tornar essencial no plano decisório. Através do rastreio da população facilita-se também o processo complexo de regresso à normalidade e, consequentemente, da recuperação económica.
Será tal medida necessária para evitar à disseminação do covid-19 e para regressarmos à normalidade? A resposta a esta questão depende sempre da opinião e parecer dos peritos ligado à área da saúde para se perceber a real eficácia destas medidas. Cumpre no entanto averiguar se existem outras medidas menos lesivas de direitos fundamentais, nomeadamente do direito à reserva da intimidade da vida privada, e igualmente adequadas à proteção da saúde pública e ao regresso à normalidade. Tendo em consideração que a propagação do SARS-CoV2 parece ter lugar por via de pessoas assintomáticas tem-se admitido que as demais medidas, como por exemplo a medição da temperatura, possam não ser tão eficazes. Por outro lado, a nível mundial não têm sido encontradas outras medidas que contribuam tão eficazmente para o regresso à normalidade e para a o restabelecimento da confiança da população.
Por fim, os benefícios alcançados em termos de saúde pública e económicos prevalecem sobre os sacrifícios impostos por esta aplicação ao direito fundamental da reserva da intimidade privada? Naturalmente que quanto mais eficaz for a aplicação mais intrusiva a mesma se torna. Uma aplicação obrigatória será certamente mais eficaz do que uma aplicação voluntária. Mas também mais invasiva. Uma aplicação que funcione por bluetooth e em que os dados ficam armazenados no próprio telemóvel do utilizador parece garantir uma menor intrusão na intimidade da vida privada do que um sistema de geolocalização e de partilha de dados pessoais. Também aqui é importante verificar se tecnicamente tal é viável e igualmente eficaz. Por fim há que ter presente que uma parte da população não possui smartphones pelo que a eficiência desta medida terá sempre esta contingência.
No estado atual da situação vivida em Portugal não me parece proporcional a adoção de medidas que possibilitem controlar o movimento da população portuguesa por forma a garantir o confinamento obrigatório. Os portugueses já deram provas da sua responsabilidade social. Esperemos que assim continuem!
Deve ser adotada uma medida equilibrada e proporcional que garanta a proteção dos dados pessoais. Apesar de excecional há sempre o risco de o rastreamento digital se perpetuar no tempo, o que devemos evitar.
Advogado