“O meu pai estava em França, no cais, e não esquecia a cara dos refugiados que não couberam no barco” para fugir aos nazis
Seis familiares de Elisabete Andriesse, entre os quais o seu pai, sobreviveram ao nazismo com a ajuda dos vistos de Aristides de Sousa Mendes. O pai de Paula Ramalheiro, António Francisco Corujo, era o corajoso comandante do Milena, o veleiro onde viajaram de Baiona para o Porto cerca de 40 judeus. O relato faz parte do quarto episódio da série documental “Vistos para a Vida” que estreou dia 19 de outubro na Opto. Um retrato do cônsul de Portugal em Bordéus pela voz dos que sobreviveram ao horror da II Guerra e ao nazismo e, também, dos seus descendentes, 84 anos depois da Noite de Cristal, em que os nazis partiram as montras das lojas detidas por judeus
Elisabete Andriesse vive em Nova Iorque e só começou a reparar na história de Portugal quando o pai morreu, em 2014: “Foi nessa altura que a história de Portugal e de Aristides de Sousa Mendes começaram a ser mais faladas, e que eu entrei em contacto com a Sousa Mendes Foundation para procurar informações. Seis dos meus familiares foram salvos” pelos vistos do cônsul de Bordéus.
A grande maioria dos refugiados que escaparam ao nazismo com os vistos emitidos pelo cônsul de Portugal em Bordéus, entraram em Portugal, de comboio, pela fronteira de Vilar Formoso. Em 1940, era praticamente impossível atravessar Espanha de automóvel, porque as autoridades locais não o permitiam e o país estava devastado pela Guerra Civil que terminara no ano anterior.
O pai de Elisabete Andriesse, e a restante família, chegaram a Portugal a bordo do Milena. A americana de ascendência holandesa não fala português, mas pronuncia o nome do pai de Paula Ramalheiro, sem hesitação: António Francisco Corujo, o comandante do navio Milena, que transportou o seu pai e mais cinco familiares de Baiona (França), para o Porto.
“O meu pai era anti-nazi, era muito dos Aliados, e não compreendia aquelas atrocidades”, conta a octogenária Paula Ramalheiro: “Dizia que não se esquecia da cara dos refugiados que ficavam no cais, porque não cabiam. Alguns refugiados dormiam em cadeiras, ele dizia que cedeu o beliche dele a um senhora grávida para ela vir em [melhores] condições”.
“Para estes refugiados serem salvos foram precisos muito milagres, diz Olivia Mattis, presidente da Sousa Mendes Foundation (em Nova Iorque). Aristides foi um deles”, o mais determinante porque emitiu milhares de vistos. “Mas era preciso que tudo funcionasse para eles se salvarem”, explica Olivia. Todas as pessoas que tornaram possível a fuga ao nazismo - correndo riscos - foram heróis à sua maneira.
A inauguração oficial da Praça Aristides de Sousa Mendes, em Jerusalém, deveria ter acontecido em meados de 2020 [como o Expresso noticiou]. A pandemia da covid-19 e o fechamento que ela impôs, fizeram com que esta homenagem só se realizasse esta terça-feira, dois anos anos depois do previsto.
A “Praça já lá estava, agora é o descerramento da placa e a homenagem”, disse ao Expresso Olivia Mattis. A praça Aristides de Sousa Mendes, em Jerusalém, fica no cruzamento das ruas Torah V’Avoda e Israel Zangwill.
Em 2018, a fundação sediada em Nova Iorque propôs que Jerusalém incluísse o nome do cônsul português na sua toponímia: “Recusámos as duas primeiras localizações propostas, por não serem suficientemente dignas do nome de Sousa Mendes”, disse ao Expresso Mordecai Paldiel, autor de vários livros sobre o Holocausto e que dirigiu o departamento dos Justos entre as Nações do Yad Vashem.
Mordecai Paldiel fotografado pela polícia suiça, com 7 anos
Cortesia Sousa Mendes Foundation (Nova Iorque)
“O que é muito importante e simbólico é que possa haver um local público com o nome dele”, disse Jorge Cabral, embaixador de Portugal em Israel (citado pela Lusa): “Tratou-se de mais um reconhecimento de Israel ao papel de Aristides de Sousa Mendes durante o Holocausto”.
Gerald Mendes, neto do antigo cônsul de Portugal em Bordéus, participou na homenagem desta terça-feira, em Jerusalém, ao homem que emitiu vistos para milhares refugiados do regime nazi – a maioria entre 12 e 23 de junho de 1940, à revelia do Governo de Oliveira Salazar.
Aristides de Sousa Mendes nasceu a 19 de julho de 1885, em Cabanas de Viriato, no distrito de Viseu e faleceu em abril de 1954, no Hospital Franciscano para os Pobres, em Lisboa.
A conduta por que foi agora homenageado, determinou a sua expulsão da carreira diplomática, acabando por ter um final de vida cheio de constrangimentos financeiros.
Aristides de Sousa Mendes com o Rabi Kruger
D.R.
Estiveram ainda presentes em Jerusalém, a ex-embaixadora de Israel em Portugal, Colette Avital, e o rabino Yaakov Kruger, filho do rabino Chaim Kruger, presidente da Fundação Sousa Mendes, entre outros.
Antes da cerimónia de dedicação, o grupo visitou o Yad Vashem, onde Gerald Mendes acendeu a ‘Chama Eterna’, “que mantém viva a memória dos que salvam vidas e também dos que morreram e que não devem ser esquecidos”, disse à Lusa Jorge Cabral.
O Yad Vashem é o memorial oficial de Israel para não deixar esquecer as vítimas judaicas do Holocausto.
Além de Aristides, outros três portugueses,são considerados ‘Justos entre as Nações’: O embaixadorCarlos Sampaio Garrido, o padre Joaquim Carreira, e o diplomata Joseph Brito-Mendes, bem como a sua mulher.
Aristides Sousa Mendes emitiu vistos que permitiram a passagem por Portugal de mais de dez mil refugiados