Envelhecimento: o que podemos esperar do OE?

Especialistas: Conselho Consultivo do projeto Longevidade debateu as prioridades para o Orçamento do Estado para 2023: é preciso apostar na prevenção e nos cuidados primários
Especialistas: Conselho Consultivo do projeto Longevidade debateu as prioridades para o Orçamento do Estado para 2023: é preciso apostar na prevenção e nos cuidados primários
Há uns anos, Manuel Caldas de Almeida, presidente da União das Misericórdias Portuguesas, perguntou a uma das suas alunas o que queria fazer quando fosse crescida: “Respondeu-me que gostava de ser reformada”, sublinha o também médico e professor, a exercer no Alentejo. A história, contada durante a terceira reunião do Conselho Consultivo do projeto Longevidade do Expresso, serviu para ilustrar um dos principais problemas quando se fala em longevidade: o trabalho. “Temos o privilégio de viver mais tempo, mas é obrigatório desconstruir a ideia do que é um velho”, afirmou, acrescentando que no documento para o Orçamento do Estado para 2023 o trabalho é um fator em evidência.
Embora a palavra ‘longevidade’ não surja ao longo de todo o documento do Governo, Caldas de Almeida lembra que a ideia está lá: “Aproveitar o potencial de criação dos mais velhos.” “Já há anúncios de turismo para as pessoas mais velhas. A sociedade já percebeu isto do ponto de vista do mercado. Mas ainda não entendeu o foco do envelhecimento na economia”, retifica, dando um exemplo recente de como pode ser colocado o foco: a capa da revista “Time”, onde surgem três mulheres com mais de 65 anos que decidiram começar um negócio. “É isto que vai acontecer, as pessoas vão querer sentir-se úteis. As expectativas já não são as mesmas, mas se as pessoas se sentem mais felizes a trabalhar, assim seja.”
A idade é muito mais do que um número
O próprio presidente da União das Misericórdias dá o seu exemplo: a aproximar-se o tempo de deixar as suas funções no hospital, decidiu negociar e prolongar a sua carreira. Esta é uma das razões pelas quais os membros do Conselho Consultivo insistem na ideia de que a idade é muito mais do que um simples número. Uma opinião partilhada por Joana Mendonça, presidente da Agência Nacional de Inovação. “A questão crítica é o racional como olhamos para a longevidade. Olhamos para a longevidade como envelhecimento”, disse, antes de completar: “Não podemos olhar apenas para a saúde, temos de pensar na alimentação, no desporto, nas infraestruturas das cidades e no trabalho. É preciso uma abordagem conjunta e alargada.”
O grande desafio é delinear uma estratégia nacional para a longevidade. E Nuno Marques, presidente do Observatório Nacional do Envelhecimento, fez questão de realçar isso mesmo durante a reunião dedicada ao Orçamento do Estado para 2023. O que deve ser prioritário? “O Governo tem algo neste Orçamento do Estado que não está totalmente esquecido, que é a elaboração de um plano nacional de envelhecimento saudável e ativo. Não é apenas uma ideia, é um plano, já previsto na secção do Ministério do Trabalho e da Segurança Social para o próximo ano.”
Tal como afirmou Rodney Kelly, conselheiro-geral na Eastern Academic Health Science Network (organização que junta a academia, cidadãos, serviços de saúde e indústria), há algumas semanas numa entrevista ao Expresso, os Governos têm a tentação de implementar medidas a curto prazo, já que ocupam o poder durante curtos períodos de quatro anos. Nuno Marques reforça a ideia de pensar a longo prazo. “A preocupação é ter medidas com impacto imediato. A prestação de cuidados às pessoas é fundamental e não pode ser esquecida, mas temos de preparar o futuro, ou seja, termos medidas aplicadas desde já, que não vão ter impactos imediatos, mas sim daqui a 20 anos.”
Couratos e economia
“A importância de se olhar para a longevidade deve começar na infância”, defendeu Ana Sepúlveda no encontro de especialistas. A presidente da Associação Age Friendly Portugal dá como exemplo “a literacia dos pais, mas também a saúde, os bairros onde se vive. Tudo isso deve estar vertido no Orçamento do Estado”. A consultora, que recentemente esteve em dois congressos dedicados à economia da longevidade, afirma que “em Portugal, tal como em outros países desenvolvidos, esta matéria deve ter um ministério próprio ou uma estrutura interministerial”, ao contrário do que sucede atualmente: é sobretudo o Ministério do Trabalho e da Segurança Social e o Ministério da Saúde que se ocupam das matérias relativas ao envelhecimento.
Quando focaram o tema da longevidade na saúde, os membros do Conselho Consultivo foram unânimes: o Orçamento do Estado deve ter como preocupação a prevenção primária. “Os percursos da doença crónica começam logo nos primeiros cuidados”, defendeu Caldas de Almeida. “Não podemos arriscar que daqui a 10 anos tenhamos as mesmas taxas de doença crónica, porque não vamos ter dinheiro para isso. E isto só se consegue investindo na prevenção primária, começando a trabalhar desde cedo. Claro que o Serviço Nacional de Saúde não vai proibir ninguém de comer couratos. Longevidade é também autonomia. Além disso, sabemos onde estão os obesos, que são normalmente os mais pobres. Comer bem sai caro.”
A alimentação, a boa nutrição, a prevenção e o exercício físico são fatores essenciais para uma longevidade saudável. Até porque as consequências de um envelhecimento pouco saudável implicam despesas consideráveis por parte do Estado, tal como lembrou Simon Gineste, diretor-geral da Novartis Portugal. “O desafio é tão grande que temos de ter políticas mais disruptivas. As despesas de saúde têm grande impacto na economia de um país.”
Incentivar e premiar
Sobre a fragilidade e a dependência que afetam uma fatia considerável dos mais velhos, uma das medidas apresentadas pelos membros do Conselho Consultivo — e que, na opinião dos especialistas, deveria estar contemplada no Orçamento do Estado — está relacionada com o modelo hospitalar, atualmente vocacionado para a doença aguda, quando a população mais afetada por problemas de saúde sofre de doença crónica. Também as empresas foram alvo de discussão, sobre o seu papel tanto na saúde dos colaboradores como nas suas futuras pensões.
O facto de as empresas não terem um programa de rastreio oncológico mereceu uma apreciação de Maria João Luís, CEO da Multicare, que recordou, pelo meio, que “todas as empresas são obrigadas a ter medicina no trabalho” por imposição do poder público: “O Estado devia incentivar e premiar esses programas de rastreio oncológico. É preciso dizer ao Governo que incentive e premeie. É preciso criar um novo quadro legal.”
Portugal e o Nobel da Economia
Richard H. Thaler deu uma entrevista ao Expresso. Num contexto de inflação e guerra, o economista disse que o apoio de €125 do Governo “é uma medida relativamente honesta”.
Jogar futebol a andar
Sem corridas, sem guarda-redes, sem contacto entre jogadores — estas são algumas regras do walking football, uma modalidade para maiores de 50 anos.
Quanto vale o negócio da ‘economia prateada’
Com 700 milhões de pessoas em todo o mundo com mais de 65 anos, as oportunidades de negócio da longevidade são uma hipótese a considerar.
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A prevenção primária, segundo o Conselho Consultivo do projeto Longevidade. O foco deverá estar, por exemplo, na identificação da população diabética ou com risco de doença cardiovascular.
É das questões que mais divide quem estuda a longevidade. Por norma, o fim da vida ativa coincide com o início de problemas de saúde associados à solidão, como a degeneração cognitiva. Solução? Redução da carga horária à medida do envelhecimento.
O documento provisório não contém a palavra ‘longevidade’. Segundo Nuno Marques, do Observatório Português do Envelhecimento, “há zero medidas” sobre a longevidade neste OE.
Longevidade
Vamos viver mais anos. Que avanços na saúde podem marcar as próximas décadas? Qual o impacto do envelhecimento nas nossas poupanças, nas cidades, na nossa vida social? Em 2022, o Expresso lança um projeto sobre este novo desafio, com o apoio da Fidelidade e da Novartis.
Textos originalmente publicados no Expresso de 25 de novembro de 2022
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