24 abril 2021 10:00

O juiz devia ter lido três livros de jornalistas ou ouvido os autores de “A Implosão da PT”, “Quem Meteu a Mão na Caixa” e “Caixa Negra”
mário cruz
Uma leitura da decisão de Ivo Rosa segundo as velhas leis da política revela um juiz desfasado do modo como funciona mundo do poder (e da governação de Sócrates). Mesmo que isso não tivesse contornos criminais, há factos não considerados que contrariam o raciocínio do próprio magistrado. Menos iliteracia política daria um resultado diferente na pronúncia?
24 abril 2021 10:00
“Não imagina a quantidade de líderes políticos europeus que acham que só se resolvem problemas com o Brasil se eu telefonar ao Presidente Lula”, assumiu José Sócrates numa entrevista a uma TV brasileira em maio de 2010, citada pelo jornal “Folha de S. Paulo”. O primeiro-ministro português fazia-se ouvir do outro lado do Atlântico por ter construído uma “grande amizade” com Lula da Silva, e admitia apoiá-lo numa candidatura a secretário-geral da ONU. Mais do que isso: prometia “discutir o futuro de Lula” com o então presidente do Governo espanhol, José Luis Zapatero, e com George Papandreou, primeiro-ministro grego. O que tem isto a ver com a Operação Marquês? Tudo. Porque as relações pessoais são essenciais na política, algo que o juiz Ivo Rosa desvalorizou, e porque a relação com Lula era confessadamente assim. Naquela data, faltavam apenas dois meses para a venda da telecom Vivo no Brasil, primeiro bloqueada por Sócrates e depois desbloqueada com o negócio da Oi — a desgraça da PT — e um dos casos centrais da acusação ao ex-líder socialista, que caiu na decisão instrutória de 9 de abril, por falta de provas.
Só com “especulação” ou “fantasia” seria possível sustentar muitas das acusações contra José Sócrates, foi dizendo o Ivo Rosa ao longo das três horas de leitura do resumo de seis mil páginas, em direto nas televisões. A parte da especulação tem o seu fundo de verdade. Acontecem coisas na política possíveis de intuir mas difíceis de provar, sobretudo porque os políticos astuciosos não movem influências com a clareza que os investigadores do Ministério Público desejavam nem com o formalismo que o juiz esperava ver nas provas. Mas não se pense que isto é novo: “A política é a arte da simulação e da dissimulação”, deixou escrito na pedra o cardeal Jules Mazarin em 1642, depois de suceder a Richelieu como primeiro-ministro do rei Luís XIV. Passados 400 anos, mesmo numa época em que é possível mapear a rota de €34 milhões para alegado usufruto de um ex-primeiro-ministro, continua a ser necessário interpretar a forma dissimulada de como os políticos se movem — mesmo que isso não sirva de prova em tribunal.