Trabalhistas proíbem Jeremy Corbyn de concorrer às próximas legislativas pelo partido. Resta ao ex-líder ir como independente
Barcroft Media/Getty Images
O Partido Trabalhista britânico decidiu que Jeremy Corbyn, que chefiou esta força política entre 2015 e 2020, não poderá concorrer pela mesma às próximas legislativas. O homem que conduziu o trabalhismo à pior derrota em 80 anos, nas eleições de 2019, repudia esta decisão, alegando estar em causa a democracia interna. O atual líder, Keir Starmer, defende que as perspetivas eleitorais do partido ficam prejudicadas se Corbyn continuar a ser candidato
O comité executivo (NEC) do Partido Trabalhista do Reino Unido decidiu, esta terça-feira, que Jeremy Corbyn não será o seu candidato às próximas legislativas no círculo eleitoral de Islington Norte, pelo qual tem sido eleito desde há 40 anos para a Câmara dos Comuns. As eleições devem acontecer até janeiro de 2025, sendo o final do próximo ano o período mais provável, segundo a imprensa britânica.
O antigo líder dos trabalhistas (2015-20) foi candidato a primeiro-ministro nas últimas legislativas, em 2019, tendo averbado a pior derrota dos trabalhistas em 80 anos. A moção para impedir que volte a representar Islington Norte foi levada ao NEC pelo atual líder do partido, Keir Starmer. Teve 22 votos a favor e 12 contra. Resta saber se Corbyn concorre na mesma, mas como independente.
O Labour tem bagagem nesta matéria. Quando em 2000, nas primeiras eleições diretas para presidente da Câmara de Londres, Tony Blair não quis apoiar Ken Livingstone (como Corbyn, histórico da ala esquerda do partido e, como ele, acusado de antissemitismo), o autarca concorreu a solo e derrotou o aspirante oficial trabalhista, Frank Dobson. Em 2004 Blair já deu cobertura oficial ao dissidente, que foi reeleito. Em 2008 e 2012, Livingstone perderia a capital para Boris Johnson.
Islington Norte é assento seguro para os trabalhistas. Se o histórico esquerdista Corbyn decidir concorrer por conta própria, depois de oficialmente afastado pelo partido, será decerto uma das histórias da próxima campanha. No sistema britânico há 650 círculos uninominais e vence, em cada um, o candidato mais votado, com apenas uma volta de votação. Logo, a divisão do eleitorado trabalhista pode favorecer um adversário conservador ou liberal.
Mesmo antes de conhecida a decisão do NEC, Corbyn já criticara a proposta de Starmer como algo que “mina a democracia interna” do Labour. É bem possível que o discurso dos seus apoiantes siga a mesma linha. É que o antigo líder não é uma espécie de lunático ou personagem que apenas as franjas do partido reconheçam.
Esquerdismo e pouco entusiasmo pela UE
Após a renúncia de Ed Miliband como líder do Partido Trabalhista em maio de 2015, Corbyn anunciou sua candidatura a líder do partido e em poucos meses reuniu à sua volta uma força que não se via desde o consulado de Tony Blair (1994-2007). Muitos eram jovens, mas no dia em que se soube que era o escolhido, com uma votação interna maior até do que a de Blair (59,5% contra 57%) havia pessoas de todas as idades diante do Centro de Conferências Isabel II, mesmo ao lado do Parlamento.
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Corbyn representou, nessa altura, uma quebra com o New Labour de Blair, já então descolorido, sem grandes protagonistas após as derrotas de Gordon Brown e Ed Miliband face aos conservadores, roubado da sua ideologia fundacional por homens que encontraram o seu lugar no centro, e não na esquerda. Prometeu recuperar a ideologia e teve consigo os dois maiores sindicatos britânicos, Unite e Unison. Foi o único a votar contra o plano de cortes dos serviços públicos apresentado pelos conservadores. Os seus adversários na corrida à liderança trabalhista haviam-se abstido.
No ano seguinte, em 2016, a sua liderança foi contestada. Alguns militantes mostravam-se incomodados com a sua posição em relação à União Europeia. Como membro da esquerda mais dura, nunca conseguiu ser grande apoiante do projeto europeu, que considera uma união com preocupações capitalistas e corporativistas, com escasso escrutínio democrático.
Questionado pela revista “New Statesman”, ainda em 2016, sobre o seu sentido de voto no a consulta popular sobre o Brexit, Corbyn nunca disse se tinha votado pela saída ou pela permanência, embora a posição oficial dos trabalhistas fosse por ficar na UE. Voltou a vencer mais este desafio, face ao deputado Owen Smith, com 61,8% dos votos.
Sorte de principiante?
As primeiras legislativas em que participou como chefe do Labour foram convocadas pela conservadora Theresa May, eleita chefe dos tories e, por essa via, primeira-ministra após a renúncia de David Cameron, apoiante da continuidade do Reino Unido na UE, quando os britânicos escolheram sair.
May queria reforçar a sua posição e Corbyn, ao contrário do que vaticinavam os analistas, acabou por se sair bem, apesar da derrota. Os conservadores conseguiram 317 deputados, contra os 262 dos trabalhistas, e May desbaratou a maioria absoluta que herdara de Cameron. Para quem começara a campanha 20 pontos atrás de May nas sondagens, arrecadar 40% dos votos soube a vitória. Desde Clement Attlee, em 1945, que o salto não era tão grande. Afinal Corbyn era um bom ativo eleitoral… ou não?
Cientista político Matthew Goodwin, que se dedica a explorar temas como o radicalismo e o populismo na política britânica
Nos anos seguintes e até às legislativas de 2019, foram-se erguendo no partido muitas dúvidas sobre a real capacidade de chefia de Corbyn. Acusavam-no de estar mais interessado na discussão teórica sobre o alcance e os limites do marxismo-leninismo numa sociedade tecnológica do que em tentar encontrar consensos para apresentar propostas de que o país quisesse falar.
E depois veio o descalabro de 2019, a pior derrota dos trabalhistas em 80 anos. Face a Boris Johnson, Corbyn perdeu 60 lugares no Parlamento. O líder conservador fez cair a grande parede vermelha das classes trabalhadoras, concentradas no centro e norte de Inglaterra, pintando-a de azul.
A mácula do antissemitismo
Johnson foi aclamado como primeiro-ministro, com uma maioria que lhe deu uma margem de manobra de que poucos governantes britânicos gozaram na História e que lhe permitiu consumar a saída da UE. Hoje não faltam análises, até livros, sobre o que provocou a enorme queda dos trabalhistas, mas o culpado estava à vista de todos e era só um: Jeremy Corbyn. Demitiu-se.
Em 2020, perdeu o cartão de militante por suspeitas de falta de afinco (na melhor das hipóteses) no combate ao antissemitismo no partido. O Labour chegou a ser investigado por uma comissão especial devido a casos de antissemitismo denunciados por militantes do partido ou pela imprensa.
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No fim do processo, Corbyn foi readmitido como militante, mas nunca mais fez realmente parte do partido. Assombraram-no posições históricas a favor da Palestina, em que assistir a homenagens a indivíduos acusados de terrorismo terá sido um passo a mais para quer quis um dia viver no n.º 10 de Downing Street.
Apoiantes criticam “ato traiçoeiro”
Ao justificar a sua proposta algo radical, Starmer disse, em comunicado, que o “propósito principal” do partido é fazer tudo para “maximizar as perspetivas de vitória” nas próximas eleições. O NEC quer “evitar qualquer impacto prejudicial” que o nome de Corbyn possa ter junto do eleitorado. “Os interesses do Partido Trabalhista nas próximas eleições legislativas não ficam resguardados se tivermos Corbyn como candidato”, afirma o líder que lhe sucedeu.
Resistindo aos apelos para declarar se vai avançar como independente, Corbyn afirmou, também através de comunicado, que Starmer está a afastar-se do essencial: “Enquanto o Governo mergulha milhões na pobreza e demoniza os refugiados, Keir Starmer concentrou a sua oposição nos que exigem uma alternativa mais progressista e humana”.
O grupo Momentum, que se formou para apoiar Corbyn, também já reagiu. “Condenamos veementemente este ato traiçoeiro de Keir Starmer, que contribui para uma divisão ainda maior no Partido Trabalhista e insulta os milhões de pessoas que se sentiram inspiradas pela liderança de Jeremy Corbyn”, afirmou um porta-voz ao jornal “The Guardian”.
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