Morte da rainha vai abalar a soberania britânica? Sim, mas na Europa as “monarquias vão sobreviver”
Bhornrat Chaimongkol
Existem pouco mais de 40 monarquias em todo mundo, mas este número pode diminuir com a morte da rainha: três países da Commonwealth onde Carlos III é agora chefe de Estado manifestaram o desejo de se tornarem repúblicas. Apesar do abalo na soberania britânica, não se pode falar em “declínio das monarquias” na Europa. As chaves para a resistência são pelo menos duas: a sintonia com a população e o carisma dos monarcas
A morte de Isabel II e a mudança de rei está a levar alguns países a quererem cortar laços com a monarquia britânica. Além do Reino Unido, Carlos III é formalmente chefe de Estado de 14 países, mas algumas ilhas das Caraíbas, a Austrália e a Nova Zelândia já manifestaram intenção de se tornarem uma república, seguindo os passos de Barbados. Em 2021, esta ilha caribenha separou-se da coroa e elegeu uma presidente. Agora, o falecimento da monarca criou uma oportunidade de emancipação nos reinos ultramarinos — representará o fim de uma era para a monarquia como um todo?
“Já era imparável o movimento que vinha a formar-se nas Caraíbas. Quando um país deixa de ter o soberano britânico como chefe de Estado, a tentação de haver um efeito ‘bola de neve’ é muito grande”, analisa o embaixador Francisco Seixas da Costa, em declarações ao Expresso. Os povos começam a questionar a utilidade de ter um rei que “está a milhas de distância”, quando podem escolher “a pessoa que dirige o país e representa o Estado”, sobretudo “nesta fase em que há uma onda para rediscutir o passado colonial” do império onde o sol nunca se põe, acrescenta o antigo diplomata português.
É expectável que mais nações se desvinculem do reino britânico, diminuindo o número de monarquias que ainda resistem no mundo: pouco mais de 40. A maioria dos reinos modernos são monarquias constitucionais e encontram-se sobretudo no Velho Continente, onde os chefes de Estado reinam, mas não governam. “Ao longo dos séculos, na Europa, as monarquias foram evoluindo, de absolutistas passaram a constitucionais. Atualmente, há no continente europeu dez monarquias hereditárias: Espanha, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Liechtenstein, Luxemburgo, Mónaco, Noruega, Reino Unido e Suécia”, contextualiza Alberto Miranda, jornalista especialista em famílias reais.
Ainda na Europa, o Vaticano e o principado de Andorra são dois casos diferentes: os chefes de Estado são escolhidos, por isso, denominam-se monarquias eletivas, explica ao Expresso o autor do livro “As Dez Monarquias da Europa”. “Depois, há ainda as monarquias asiáticas e árabes”, algumas delas absolutistas, nas quais o rei detém em si todos os poderes, como acontece na Arábia Saudita, Omã ou Brunei. Porém, nestes regimes “tanto faz ter uma monarquia, um império ou uma ditadura normal — o rótulo que lhe queiram colar significa o prolongamento de autocracias anteriores”, nota Francisco Seixas da Costa.
Abalo na monarquia britânica não se estende à Europa
O novo monarca britânico também é chefe de Estado de 14 dos 53 países que pertencem à Commonwealth, nomeadamente: Antígua e Barbuda, Austrália, Bahamas, Belize, Canadá, Granada, Jamaica, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Ilhas Salomão, Santa Lúcia, São Cristóvão e Nevis, São Vicente e Granadines, Tuvalu. “Estes países são monarquias constitucionais e parlamentares onde Carlos III é agora rei, mas existe um governador-geral”, esclarece Alberto Miranda.
Pertencer à Commonwealth não significa ser súbdito do rei. Afinal, a Commonwealth é uma organização de adesão voluntária nascida da descolonização e desmantelamento do império britânico. Quando foi fundada, em 1926, chamava-se Comunidade Britânica de Nações, mas depois mudou de nome precisamente para perder o caráter colonial. Qual a vantagem para os membros? “A partir da Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido passou a ser uma potência fundamental no quadro internacional e ocidental” e ainda hoje há benefícios em “estar numa organização multilateral capaz de potenciar os países” que a integram, afirma Seixas da Costa.
Se o reinado britânico ultramarino pode estar mais em risco com a morte da rainha, as restantes monarquias europeias estão vivas e recomendam-se. Os monarcas asseguram a unidade nacional de um país e as famílias reais são adoradas pela população, que acompanha com especial atenção a vida na corte. “As monarquias do norte europeu, a Dinamarca, a Noruega e a Suécia, por exemplo, são países onde o valor da igualdade e da felicidade pessoal estão muito presentes e estas sociedades convivem bem com a instituição monárquica. A tão liberal Holanda tem um rei como chefe de Estado. Mesmo em Espanha, onde tem havido várias questões com a casa real, a coroa é o grande elo de ligação entre as várias regiões”, constata o jornalista Alberto Miranda, para acrescentar: “O declínio das monarquias? Na Europa, estas monarquias vão sobreviver”.
Sintonia com a população e carisma: as chaves para a resistência
Antigamente, as monarquias eram os regimes naturais no mundo. A seguir à Segunda Guerra Mundial e às vagas de descolonização, sofreram um grande abalo e sobreviveram apenas aquelas que conseguiram manter-se próximas da população, conservando “uma espécie de centro de interesse nacional” perante as dificuldades e ameaças externas, tal como se verificou no norte da Europa, reflete o diplomata e comentador Francisco Seixas da Costa. Depois deste período histórico, acrescenta, os monarcas souberam abdicar do poder executivo e passá-lo para as instituições democráticas.
Há outro fator importante para legitimar este tipo de regimes: o sentido de utilidade. “A monarquia tem de ser percebida pelos cidadãos como um valor acrescentado à legitimidade democrática dos seus governantes”, ainda que seja uma estrutura herdada da “história e tradição do país”, diz ainda Francisco Seixas da Costa. A rainha Isabel II prova isto: tornou-se uma figura adorada e querida no Reino Unido — e não só —, em parte, pelo que representou de continuidade no Estado britânico ao longo de muitas décadas.
“Os reis têm um carisma que agrada e que é, regra geral, extensivo às suas famílias”. Para Alberto Miranda, que também escreveu o livro “Isabel II - Rainha e Mulher”, é esta a chave para as monarquias democráticas modernas resistirem no tempo. “A chave é o carisma pessoal do soberano e a respetiva identificação por parte dos seus cidadãos. Cada monarquia tem presente uma certa magia que nos remete para os contos de fadas, mas cada família real, para sobreviver, terá de fazer uma evolução na permanência”. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, por isso as monarquias têm também de saber adaptar-se — não perdendo a sua essência —, “acompanhar as sociedades dinâmicas e perceber a vontade dos seus povos”, defende ainda o especialista em famílias reais.
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