Guerra na Ucrânia

ONU alerta para situação preocupante de crianças com deficiência na Ucrânia

ONU alerta para situação preocupante de crianças com deficiência na Ucrânia
NurPhoto/Getty Images

Milhares de crianças com deficiência saíram das instituições onde viviam devido à guerra e regressaram para junto das famílias, criando situações de potencial risco. Quanto às que permaneceram, relatam-se casos de negligência, abusos e maus-tratos

A Organização das Nações Unidas (ONU) está preocupada com a situação das crianças com deficiência em instituições na Ucrânia e também com as deslocadas para outros contextos, quer dentro do país, como para o exterior. Os peritos em direitos humanos da organização salientam três focos de apreensão, em comunicado divulgado na quinta-feira.

Há relatos de milhares de crianças que regressaram a casa para viver com as respetivas famílias sem uma “avaliação adequada para determinar o seu superior interesse e considerações sobre a sua proteção”. Tal pode ter deixado as crianças sem tratamento para as condições físicas e mentais, além da criação de “situações de potencial risco e abuso”, em que podem mesmo “acabar nas ruas ou nas mãos de traficantes ou abusadores”, alerta a ONU.

Em segundo lugar, os peritos referem-se às crianças que permaneceram nas instituições. Além de casos de negligência, abusos, restrições físicas e acesso a serviços básicos, incluindo educação e saúde, existe “falta de informação sobre o seu paradeiro e poucos esforços para restabelecer as ligações entre as crianças deslocadas e os seus familiares”.

A ONU aponta ainda que a Ucrânia “parece ter exigido que países terceiros recebam crianças com deficiência na condição de serem colocadas em instituições, mesmo quando esses países se afastaram com sucesso da institucionalização enquanto resposta política para os seus próprios cidadãos”, como as vizinhas Roménia e Moldávia. Para os especialistas, a opção deverá recair – aquando da reconstrução do país – no desenvolvimento do apoio comunitário, de forma a permitir às crianças viver e crescer com a família, em detrimento da institucionalização.

Problema é antigo

Até ao início da guerra, em fevereiro, mais de 100 mil crianças e jovens viviam em cerca de 700 instituições ucranianas. Milhares de pessoas com deficiência voltaram a viver com as famílias, mas também milhares permaneceram. Embora sejam intitulados de orfanatos, a maioria dos que lá vivem têm família, escreve a BBC.

Na Ucrânia, muitos acreditam que crianças com deficiência recebem melhores cuidados estando numa instituição. Para a ONU, a guerra veio destacar as “escolhas políticas históricas feitas no passado, que afetam gravemente as crianças com deficiência” e, quando terminar, será necessário “reinventar muitos dos sistemas sociais e económicos” do país.

“Todas as guerras revelam erros históricos no calor do momento e a institucionalização é um desses erros”, afirma Gerard Quinn, representante da ONU para os direitos das pessoas com deficiência, citado pela BBC. “É tempo de agir, de premir um botão de ‘reset’ para o futuro. Ao fazê-lo, precisamos de um compromisso claro do Governo ucraniano para acabar com o seu sistema de institucionalização”, indica Quinn.

Abusos e maus-tratos

Em junho, a BBC visitou cinco orfanatos no sul da Ucrânia e encontrou situações de abusos e maus-tratos: adolescentes amarrados a bancos, jovens a viver em berços e crianças gravemente subnutridas. Diretores de algumas instituições admitiram a incapacidade para lidar com o número de crianças que têm recebido, sobretudo do leste do país.

Um dos exemplos é Vasyl Velychko, um jovem de 18 anos com epilepsia e dificuldades de aprendizagem. Vive num orfanato na periferia da cidade de Chernivtsi, no sudoeste da Ucrânia, onde grita amarrado a um banco ao longo de horas e usa fralda. Por falta de apoio e com convulsões regulares, que por vezes o tornavam agressivo, a família não o conseguiu manter em casa: aos cinco anos de idade, as autoridades locais indicaram a instituição como a melhor opção. “É muito difícil ser mãe de uma criança com deficiência. Tenho orgulho em ser ucraniana, mas precisamos de ter mais apoio do Estado”, diz Maryna, mãe de Vasyl.

Noutro orfanato, jovens com idades entre os 20 e os 30 anos estão deitados em berços, de onde raramente saem. Numa cama encontra-se Oleh, que tem paralisia cerebral e ali chegou quando era criança. Aos 43 anos, mantém-se no mesmo local, sem estímulos nem o cuidado adequado.

A pobreza e a falta de apoio às famílias com dificuldades contribuem para a defesa da ideia de que este tipo de equipamentos é necessário. “Os nossos filhos com deficiência não devem ser escondidos da sociedade, atrás destas paredes altas”, diz a mãe de Vasyl. Ainda assim, ao sair do espaço, onde deixa o filho ainda a gritar, diz estar “muito grata à instituição”.

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