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Eleições no Brasil

“Bolsonaro é inflamatório para um país com muito analfabetismo funcional, onde muita gente não tem acesso a notícias rigorosas”

Thiago é diretor do jornal local O Minho e segue atentamente a política brasileira. De centro-esquerda, apoia Lula da Silva.
Thiago é diretor do jornal local O Minho e segue atentamente a política brasileira. De centro-esquerda, apoia Lula da Silva.
RUI DUARTE SILVA

Ao longo desta semana, o Expresso publica vários retratos de brasileiros a residir em Portugal, para saber o que pensam sobre o Brasil de hoje, como encaram estas eleições presidenciais e em quem pensam votar. Thiago Correia é jornalista e diretor do jornal O Minho. Com ascendência portuguesa, decidiu há cinco anos mudar-se do Rio de Janeiro para Braga. Deixa o seu testemunho na primeira pessoa

THIAGO CORREIA, 35 ANOS, JORNALISTA

A minha relação com Portugal foi sempre muito próxima. Todos os meus quatro avós, de nacionalidade portuguesa, mantinham tradições portuguesas no Brasil, desde a música até à comida e ao futebol. Tudo era motivo para ter Portugal no meio dos assuntos e dos encontros de família. Também desde criança eu vinha a Portugal nas férias.

Foi em 2010 que vim para ficar por um tempo. Morei em Lisboa cerca de um ano e meio, enquanto completei uma pós-graduação, até que depois acabei por regressar ao Rio de Janeiro. Só em 2017, com quase 30 anos, junto com a minha esposa e já noutra fase da minha carreira, resolvi vir de vez para Portugal, para Braga, trabalhar para o jornal O Minho.

É muito diferente fazer jornalismo no Brasil e em Portugal. Se quiser um exemplo do dia a dia, no Brasil um acidente de viação é noticiado se tiver um grande número de mortos e de feridos. Aqui, e ainda para mais na imprensa local, qualquer choque entre dois ligeiros é notícia. Do ponto de vista político o terreno também se diferencia. A própria estrutura política do Brasil e de Portugal, por ser lá presidencialismo e aqui parlamentarismo, muda tudo.

Quando decidi vir para Portugal, apesar de estar a trabalhar no maior jornal desportivo do Brasil, sentia que não tinha muito por onde crescer. Aí, todas as coisas começam a juntar-se e em 2015 e 2016 o Brasil já estava num movimento político, económico e social bastante conturbado, depois do impeachment da Dilma Rousseff. Entrou o Michel Temer e estava claro que o caminho que o país ia tomar era o do Jair Bolsonaro. Eu sou completamente oposto a toda a visão dele. Sou de centro-esquerda.

No meio em que me movimentava, conseguíamos prever que o Jair Bolsonaro, quando entrasse, não ia causar danos no Brasil apenas por um período de quatro anos. O estrago ia permanecer por muito mais tempo.

Os apoiantes do Bolsonaro falam muito que na época do Lula [da Silva] e da Dilma Rousseff, ou seja, do PT [Partido Trabalhista], foi quando houve mais corrupção no Brasil. Na verdade, as acusações que levaram ao impeachment da Dilma provaram-se um golpe, porque ela foi inocentada. Foi vítima de machismo, coisa que infelizmente é muito forte no Brasil.

A corrupção já estava no governo na época do Fernando Henrique [Partido Social Democracia Brasileira, 1995-2003], do Fernando Collor [Partido Agir, 1990-1992] e na época da ditadura militar dos anos 80. Por combatê-la, o PT foi o partido no poder quando os casos de corrupção começaram a vir à tona. Penso que quem era oposição ao PT acabou conseguindo associar as duas coisas.

Eu não ponho a mão no fogo por nenhum político, mas a verdade é que não se verificaram verdadeiros as acusações que levaram o Lula a ser preso na altura da última eleição, em 2018, e que levaram ao impeachment da Dilma.

O discurso de Jair Bolsonaro, para um país onde muita gente não tem acesso a notícias rigorosas, é inflamatório. O Brasil é um país com muito analfabetismo funcional. As pessoas leem mas acabam por não entender direito e por pegarem apenas uma palavra aqui e outra ali. O discurso das fake news é muito fácil de chegar a essas pessoas.

O povo não vê que ele não tem propostas. Se o discurso de um concorrente for um pouco mais profundo, começa a gritar. Se for uma mulher a argumentar, então ele sobe mais a voz e é mais grosseiro que o normal. Ele fala a língua do povo. O jeito de falar palavrão… Como tem esse discuso homofóbico, racista, machista, todo esse pacote de preconceitos, e tem grande parte da sociedade brasileira que pensa igual, consegue validação.

Quem votou nele não pode estar arrependido. Antes de ser presidente, ele foi deputado por 30 anos e antes disso foi militar. Foi um militar mau, que tentou incendiar um quartel para ter um salário mais alto. Acabou sendo expulso. Depois foi um deputado medíocre. Para além disso, o que ele tem feito na presidência é exatamente o que ele prometeu na campanha. A gente sabe que o Bolsonaro não governa para a população humilde, ele governa para os mais ricos, para os grandes poderosos e fazendeiros.

O meu voto natural, antes de qualquer pesquisa, seria o Lula. Agora está-se a falar muito no voto útil, para tirar o Bolsonaro já na primeira volta. Antes de qualquer coisa, até mesmo de votar em Lula, a prioridade é tirar o Jair Bolsonaro.

Mesmo assim, o estrago feito na presidência dele e potenciado pela pandemia vai demorar bastante a sarar, para pelo menos o Brasil trilhar um caminho para melhorar um pouco.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: jascensao@expresso.impresa.pt

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