Investigação revela ligação entre produção de colagénio e desflorestação da Amazónia
Desflorestação na Amazónia, Brasil
AMANDA PEROBELLI/REUTERS
Cada vez mais popular na área da cosmética como tratamento antienvelhecimento, o colagénio pode ser obtido através do gado, o que tem acontecido no Brasil, em explorações que estão a contribuir para a desflorestação da Amazónia, conclui investigação jornalística agora divulgada. A Nestlé é uma das empresas visadas
Dezenas de milhares de cabeças de gado criadas em explorações envolvidas na desflorestação no Brasil estão a ser usadas para produzir colagénio, revela uma investigação conjunta do diário britânico “The Guardian” com o projeto jornalístico brasileiro “O Joio e o Trigo”, Bureau of Investigative Journalism, Center for Climate Crime Analysis e ITV.
Associado a melhorias no cabelo, pele, unhas e articulações, bem como pelos efeitos positivos no retardar do processo de envelhecimento, o colagénio – a proteína mais abundante no corpo humano – tornou-se a base de uma indústria em franco crescimento. Mas há um alerta para potenciais conflitos de interesse, uma vez que a maioria ou mesmo toda a pesquisa é financiada por esta indústria, segundo a Harvard School of Public Health. O ingrediente pode ser extraído de peixes, porcos e gado e é utilizado por marcas de beleza, além de empresas farmacêuticas e produtores alimentares.
A investigação encontrou gado em matadouros que servem cadeias internacionais de fornecimento de colagénio, incluindo a Nestlé, que detém a Vital Proteins – suplemento alimentar que faz sucesso a nível mundial, nomeadamente no Brasil, Reino Unido ou Estados Unidos; e que conta com a atriz Jennifer Aniston como diretora criativa. Questionada pela equipa de investigação, a Nestlé garantiu estar a tomar medidas para assegurar que os seus produtos estão “livres de desflorestação” até 2025.
Manaus, estado de Amazonas, Brasil a 8 de julho de 2022
O colagénio bovino é apelidado de subproduto da indústria da pecuária, atividade que no Brasil representa 80% de toda a desflorestação da Amazónia. Segundo a Environmental Investigation Agency (EIA), este termo é enganador. “As margens para a indústria da carne são bastante apertadas, então todas as partes vendáveis do animal são incorporadas no modelo de negócio”, diz Rick Jacobsen, representante da organização não-governamental.
Também o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) indica que os produtos não derivados da carne – dos quais o couro e o colagénio são os mais valiosos – representam pouco menos de metade do peso de uma vaca abatida e podem gerar até 20% dos rendimentos.
Nos últimos anos, a procura por couro e colagénio tem aumentado, com recurso à desflorestação e substituição por pastagens. No Brasil, a maior parte da desflorestação ligada à pecuária pode ser atribuída a fornecedores indiretos das empresas, segundo Ricardo Negrini, procurador federal do estado do Pará, que acompanha os compromissos climáticos das empresas que processam carne bovina.
Desflorestação na Amazónia, no estado de Roraima, Brasil
A investigação salienta ainda que o colagénio – ao contrário do que acontece com a carne bovina, a soja e o óleo de palma – não está abrangido pela futura legislação da União Europeia e do Reino Unido destinada a combater a desflorestação, ao impedir a importação de produtos cuja produção provoque impactos ambientais ou esteja envolvida em violações dos direitos humanos.
No mês passado, a desflorestação na Amazónia brasileira bateu mais um máximo: 209 quilómetros quadrados destruídos, segundo o Instituto Nacional de Investigação Espacial (INPE). A área inclui dados compilados até 17 de fevereiro, valor já superior ao anterior recorde de 199 quilómetros quadrados destruídos em todo o mês de fevereiro de 2022.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes