Brasil

Investigação revela ligação entre produção de colagénio e desflorestação da Amazónia

Desflorestação na Amazónia, Brasil
Desflorestação na Amazónia, Brasil
AMANDA PEROBELLI/REUTERS

Cada vez mais popular na área da cosmética como tratamento antienvelhecimento, o colagénio pode ser obtido através do gado, o que tem acontecido no Brasil, em explorações que estão a contribuir para a desflorestação da Amazónia, conclui investigação jornalística agora divulgada. A Nestlé é uma das empresas visadas

Dezenas de milhares de cabeças de gado criadas em explorações envolvidas na desflorestação no Brasil estão a ser usadas para produzir colagénio, revela uma investigação conjunta do diário britânico “The Guardian” com o projeto jornalístico brasileiro “O Joio e o Trigo”, Bureau of Investigative Journalism, Center for Climate Crime Analysis e ITV.

Associado a melhorias no cabelo, pele, unhas e articulações, bem como pelos efeitos positivos no retardar do processo de envelhecimento, o colagénio – a proteína mais abundante no corpo humano – tornou-se a base de uma indústria em franco crescimento. Mas há um alerta para potenciais conflitos de interesse, uma vez que a maioria ou mesmo toda a pesquisa é financiada por esta indústria, segundo a Harvard School of Public Health. O ingrediente pode ser extraído de peixes, porcos e gado e é utilizado por marcas de beleza, além de empresas farmacêuticas e produtores alimentares.

A investigação encontrou gado em matadouros que servem cadeias internacionais de fornecimento de colagénio, incluindo a Nestlé, que detém a Vital Proteins – suplemento alimentar que faz sucesso a nível mundial, nomeadamente no Brasil, Reino Unido ou Estados Unidos; e que conta com a atriz Jennifer Aniston como diretora criativa. Questionada pela equipa de investigação, a Nestlé garantiu estar a tomar medidas para assegurar que os seus produtos estão “livres de desflorestação” até 2025.

O colagénio bovino é apelidado de subproduto da indústria da pecuária, atividade que no Brasil representa 80% de toda a desflorestação da Amazónia. Segundo a Environmental Investigation Agency (EIA), este termo é enganador. “As margens para a indústria da carne são bastante apertadas, então todas as partes vendáveis do animal são incorporadas no modelo de negócio”, diz Rick Jacobsen, representante da organização não-governamental.

Também o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) indica que os produtos não derivados da carne – dos quais o couro e o colagénio são os mais valiosos – representam pouco menos de metade do peso de uma vaca abatida e podem gerar até 20% dos rendimentos.

Nos últimos anos, a procura por couro e colagénio tem aumentado, com recurso à desflorestação e substituição por pastagens. No Brasil, a maior parte da desflorestação ligada à pecuária pode ser atribuída a fornecedores indiretos das empresas, segundo Ricardo Negrini, procurador federal do estado do Pará, que acompanha os compromissos climáticos das empresas que processam carne bovina.

A investigação salienta ainda que o colagénio – ao contrário do que acontece com a carne bovina, a soja e o óleo de palma – não está abrangido pela futura legislação da União Europeia e do Reino Unido destinada a combater a desflorestação, ao impedir a importação de produtos cuja produção provoque impactos ambientais ou esteja envolvida em violações dos direitos humanos.

No mês passado, a desflorestação na Amazónia brasileira bateu mais um máximo: 209 quilómetros quadrados destruídos, segundo o Instituto Nacional de Investigação Espacial (INPE). A área inclui dados compilados até 17 de fevereiro, valor já superior ao anterior recorde de 199 quilómetros quadrados destruídos em todo o mês de fevereiro de 2022.

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