Gabrielle Miller trabalha com navios de tráfico de escravos afundados. No contexto do Slave Wrecks Project, promove e integra uma comunidade internacional formada pela diáspora africana de outros séculos, que agora pretende contar a “outra história”. Miller é arqueóloga subaquática e responsável de programa no Centro para o Estudo da Escravatura Global no Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana da Smithsonian Institution, em Washington.
No seu departamento fazem-se exposições, trabalho tutorial e investigação histórica. Além de mergulhadora-arqueóloga do museu, Miller colabora com todos os parceiros globais da instituição. Assina estudos com títulos como “Arqueologia antirracista: o teu tempo é agora”. Há mais de uma década que se dedica à “conversa” que considera essencial: trazer para o dia a dia o legado e o contributo da escravatura para as sociedades ocidentais dominantes, como a norte-americana.
Miller apresentou o Slave Wrecks Project num simpósio global que juntou, entre outros, falantes de português de todo o mundo no Museu Nacional de História Natural e de Ciência, no mês passado.
Este trabalho decorre a várias velocidades. Muitos estarão avançados, outros nem têm ainda noção de como lidar com o seu passado colonial?
A forma como discutimos a raça nos Estados Unidos leva as pessoas a pensar imediatamente em racismo. O nosso museu está muito focado em experiências de “nós e eles” na nação racial, mas a escravatura global é exatamente o que é, globalizada. Portugal foi o último império colonial a abolir a escravatura, o que faz desse período uma conversa muito recente, mas também reconhecemos a escravatura como parte de um contínuo. Basta haver pessoas de origem africana para haver um olhar sobre o passado. Basta ver porque e como funciona o nosso mundo hoje, como se desenvolveram as diásporas. Há africanos no Brasil, nas Caraíbas, em todas as Américas, na Europa. Nas diásporas africanas há experiências terríveis, mas também experiências muito semelhantes, por causa da forma como o colonialismo deu forma ao nosso mundo. Quando começamos um trabalho como o que fazemos com os barcos dos escravos, muitas vezes estamos à procura das embarcações físicas, porém também usamos o trabalho como metáfora que permite iniciar a conversa e a compreensão. Portanto, dizemos: eis um objeto, testemunho de um acontecimento que podemos tocar, mas este artefacto físico representa o ponto de partida de uma explicação de como e porque é o mundo como é. Porque é que há racismo e porque é que pessoas que têm o mesmo aspeto que eu, em todo o mundo, têm de lidar com isso? O trabalho que fazemos é um instrumento, parte da conversa que serve para expor e desenterrar a História. A conversa serve para avaliar o impacto que essa História teve.
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